21 dezembro 2006

Boas festas

A quem possa interessar, nasci no princípio da década de 80. As primeiras recordações cinematográficas que tenho não são visuais. São auditivas. Lembro-me nitidamente do meu avô e das coisas extraordinárias que ele dizia como o facto de as pernas da Marlene Dietrich terem estado protegidas por um seguro, o corpo da Gina Lollobrigida merecer uma estátua e o The Great Dictator ser um dos melhores filmes de sempre. Mais tarde, vieram os visionamentos em conjunto. O meu avô numa cadeira e eu deitada no sofá. Recordo-me de ter delirado com a Salome da Rita Hayworth.
Do sofá da sala, passei à cadeira dos cinemas. Todos os domingos, sem excepção, ia ao cinema com a minha irmã. Vá se lá saber porquê, os adultos que nos acompanhavam permitiam que víssemos as maiores monstruosidades. Foi nessa altura que assisti aos Kids do Larry Clark, ao Farinelli e ao Odor da Papaia Verde – talvez o maior fastio da minha infância. Mas, foi também nessa altura que vi o Shadowlands – e o meu fascínio pelo Anthony Hopkins começaria aqui – e o Il Postino – que Philippe Noiret descanse em paz.

Os dias deram lugar às noites e passei de criança a adolescente. O meu avô deixou de ser o meu companheiro ideal e a minha irmã começou a ter menos tempo para cinemas. Chegaram os amigos, as idas ao cinema em grupo e o clube de vídeo. Nesta altura, e que me perdoem todos os cinéfilos, era o City of Angels que me enchia o olho. Basicamente, gostava daquilo que me fazia chorar. Mas também adorava aquilo que me metia medo. Pode dizer-se que andava dividida entre os olhos chorosos da Meg Ryan e os olhos sombrios – que ainda hoje me arrepiam – da Kathy Bates no Misery, da Rebecca De Mornay no The Hand That Rocks the Cradle e do tubarão no Jaws. Filmes prodigiosos!
Daquela fase, ainda me acompanham os thrillers que mencionei e o Flashdance do Adrian Lyne. Digam o que disserem, ninguém me tira a minha Jennifer Beals e ninguém me rouba o prazer de guardar filmes como só meus.

E eis que chego, devagar devagarinho, à altura em que descobri o Todo sobre mi madre. Tinha ido ao cinema com a minha prima que já era uma apreciadora do realizador espanhol. De repente, fez-se uma espécie de clique e pude perceber que a minha relação com o cinema estava a começar. Anos mais tarde, olhando para trás, compreendi que foi exactamente naquele momento que comecei a ser cinema.

Seguiram-se as idas à Cinemateca com o meu amigo cinéfilo. Foi lá que fui apresentada ao Persona. Desencadeava-se então o meu amor pelo Bergman. De um momento para o outro, a minha vida tinha novos intervenientes: o Hitchcock e as divas do meu avô regressavam em força, tornavam-se parte do meu dia, invadiam as paredes do meu quarto. A adolescência passou, comecei a devorar as apreciações do Bénard da Costa, atingi o “estado adulto” e acabei a faculdade onde pude ter cadeiras de cinema.

Nestes últimos dois anos, graças à insistência do meu namorado, tenho aprendido a idolatrar realizadores que considerava demasiadamente masculinos. São eles o Francis Ford Coppola e o Martin Scorsese. Vieram juntar-se a outras obsessões como o Billy Wilder, o Manoel de Oliveira, o Nicholas Ray, o Woody Allen e tantos outros e outras.
E quanto a ódios de estimação? Ora bem. Sou uma especialista nessa matéria: desejo que a Julia Roberts e o Antonio Banderas expludam numa bola de fogo. Mas isto sou eu a exagerar, numa espécie de over-acting pessoal.

(Talvez seja a época natalícia que me leva a estas nostalgias… Seja como for, o objectivo deste texto é o de desejar boas festas e um 2007 em grande a todos os leitores do Mise en Abyme.)

Até qualquer dia.

26 novembro 2006

Procura-se vontade

A novidade
- Anda para aí um bom documentário português a tentar sair da casca. Intitula-se Ainda há pastores? e é realizado por Jorge Pelicano. Descobri-o na semana passada, em plena FNAC Almada.
- Se estão habituados ao trabalho dos documentaristas portugueses Sílvia Firmino, Catarina Mourão, Sérgio Tréfaut, Rita Azevedo Gomes e Miguel Clara Vasconcelos, preparem-se pois este é um documentário diferente de tudo o que já viram. Trata-se de um objecto surpreendente que reflecte sensibilidade mas que também denota um esforçado trabalho de som e de fotografia.
Perplexidade e vontade
- Numa fase como esta, em que o cinema documental é a nova coqueluche dos cinéfilos, não é de esperar que haja espaço para um projecto de qualidade? Pois bem. Ainda há pastores? foi recusado pelo doclisboa e tem tido problemas em arranjar uma sala lisboeta para ser exibido.
- Vamos ficar de braços cruzados ou vamos promover o cinema português? Visitem o site e entrem em contacto com o realizador. Juntos talvez consigamos arranjar a tal sala e exibir o filme em Lisboa.

21 novembro 2006

Dualidades




Esqueçam o Leo ao som da Celine Dion no Titanic. Relembrem o Leonardo de Catch Me If You Can, filme maior de Steven Spielberg. Aplaudam Leonardo DiCaprio e um incrível trabalho de actor em The Departed.

Diz-se por todos os lados mas vou repetir: o último filme de Scorsese é uma obra-prima. Dizem que nos faz viajar até Taxi Driver, Raging Bull, Goodfellas e mesmo Casino. É verdade. Mas, quanto a mim, só pensei nisso depois de sair da sala de cinema. Até lá, mantive-me presa à cadeira. The Departed é um portento de montagem, de manipulação de som, de trabalho interpretativo. The Departed é o filme de um Mestre que sabe o que faz e que, espero, ainda não está cansado de o fazer.

Mas, sejamos justos, The Departed é também um filme de actores. Já mencionei o trabalho de Leonardo DiCaprio a querer encontrar-se, a querer ser alguém mas não é justo que passe ao lado de Matt Damon, de Mark Wahlberg, e de Alec Baldwin (onde andava esse talento?). Os outros, Jack Nicholson e Martin Sheen, são veteranos, capazes de tudo. Seis homens numa viagem até à morte – só dois escapam ao destino e só um alcança o sossego através da vingança.
E mulheres? Como nos grandes filmes de Scorsese, autênticos hinos ao mundo masculino, há sempre uma mulher que encadeia, que seduz, que vicia. Tivemos Cybill Shepherd, Cathy Moriarty e Sharon Stone. Agora temos Vera Farmiga – doce, compreensiva mas também inflexível. Mulher de cabelos e olhos claros, decidida igualmente a encontrar um rumo. No fim de contas, talvez o tenha encontrado na justiça moral.

E o que escrever mais sobre um filme assim? Nada. O filme falará por si.

17 novembro 2006

Há planos assim – X

Flauta Mágica de Ingmar Bergman
Uma ópera filmada e uma homenagem ao público infantil e adulto.

Quem o viu e quem o vê



Romain Duris está a crescer. Devagar, devagarinho como convém aos verdadeiros profissionais. Da minha relação com o actor, destaco três momentos: o jovem quase imberbe, deslumbrado pela liberdade de uma estadia no estrangeiro; o criminoso compassivo que demonstra o quanto vivemos num mundo que está longe de ser maniqueísta e o filho – irmão perturbado pelas nostalgias de uma relação impraticável.

Romain Duris tem 32 anos. Nos últimos quatro anos, poder-se-ia dizer que o actor vindo de França tem invadido as salas de cinema da Europa. E ainda bem que assim é. Melhor ainda é vê-lo lado a lado com Louis Garrel, mais novo do que Duris e tão inolvidável desde o último Bertolucci. Juntos numa espécie de road movie pedestre, intitulado Dans Paris, em que Garrel vagueia por Paris ao mesmo tempo que Duris deambula pelo passado. Viagens que proporcionam aventuras sexuais a um e momentos de exaltação musical a outro, ao som de Kim Wilde.

Mas, antes das viagens, há momentos em que assistimos às discussões de Romain Duris com a namorada. Aí, parece que tudo se diz e que nada fica por dizer, como se assistíssemos à maior prova de frontalidade e de sinceridade entre dois amantes. Mas não. No amor, e isto parece ser um dos pontos fortes de Christophe Honoré, nunca se diz tudo, nunca se resolve tudo e nunca se ganham certezas perenes.

08 novembro 2006

Sorte – II

Ter sorte é estar frente a frente
com o Chico Buarque enquanto este canta

Com tantos filmes
Na minha mente
É natural que toda actriz
Presentemente represente
Muito para mim

01 novembro 2006

Sorte – I

Ter sorte é viver numa época em que posso aplaudir, ao vivo e a cores, o monumental talento e o enorme profissionalismo de
Luis Miguel Cintra.

Filoctetes, de Sófocles

De 19 de Outubro a 26 de Novembro de 2006
Teatro da Cornucópia, Lisboa
3ª a sábado às 21:30 e domingos às 17:00

29 outubro 2006

Filmar a acção de correr

Choque no Doc Lisboa

Por que carga de água é que um festival com a qualidade do Doc Lisboa tem de convidar a Sílvia Alberto para fazer parte do júri?

(Bonito foi quando a bela da Sílvia resolveu dizer, em plena sessão de encerramento, Vou dar o meu melhor para falar inglês.)

28 outubro 2006

Há planos assim – IX

A minha relação com o cinema é egocêntrica. Só gosto verdadeiramente daquilo com que me identifico. Ou porque me faz rir ou porque me leva a reflectir sobre a minha própria existência.
Obrigada a todos os meus amigos por existirem.

23 outubro 2006

22 outubro 2006

A propósito de Little Miss Sunshine…

Certas coisas que contribuem para o facto de adorar gente como o Charlie Kaufman, o Jonathan Dayton, o Jonathan Glazer, o Michel Gondry, o Noah Baumbach, a Sofia Coppola, o Spike Jonze, a Valerie Faris e o Wes Anderson.

- Sempre que me apetece, posso entrar na cabeça do John Malkovich e provar a todos que a Cameron Diaz sabe ser uma grande actriz;

- De cada vez que pretendo achincalhar alguém, vem-me à cabeça que o Charlie Kaufman e o Nicolas Cage já foram a mesma pessoa;

- Quando sinto um certo desânimo em relação à natureza humana, lembro-me dos choques eléctricos por cada talher falhado;

- Durante grande parte da minha vida, fiz figas para acordar com o cabelo azul e viver um eternal sunshine of the spotless mind. Até que aconteceu!

- Passei a olhar para as crianças com um ar desconfiado em relação à sua vida anterior;

- Já acredito que uma viagem num pão de forma pode ajudar a compreender aqueles que me rodeiam;

- Gosto especialmente do elogio aos falhados – a fazer lembrar o Nicholas Ray de outras eras;

- Regozijo-me de, em plena era dos efeitos especiais, haver pessoas que procuram compreender o ser humano;

- Posso sentar-me na sala de cinema e conviver com pessoas (e não com personagens);

- Gosto de enfrentar todas as construções, reais ou irreais, que vou conservando na minha memória desde criança;

- Sabe sempre bem rir às gargalhadas com humor original e inteligente;

- Aplaudo certas cenas finais que fogem de toda a espécie de clichés baratos;

(… a completar …)

13 outubro 2006

Como o cinema é belo

-- A não perder: 50 filmes inesquecíveis --
Aqui!

Não resisti...

Destaque Portugal vale a pena
Eu conheço um país que tem uma das mais baixas taxas de mortalidade de recém-nascidos do mundo, melhor que a média da União Europeia.
Eu conheço um país onde tem sede uma empresa que é líder mundial de tecnologia de transformadores. Mas onde outra é líder mundial na produção de feltros para chapéus.
Eu conheço um país que tem uma empresa que inventa jogos para telemóveis e os vende para mais de meia centena de mercados. E que tem também outra empresa que concebeu um sistema através do qual você pode escolher, pelo seu telemóvel, a sala de cinema onde quer ir, o filme que quer ver e a cadeira onde se quer sentar.
Eu conheço um país que inventou um sistema biométrico de pagamentos nas bombas de gasolina e uma bilha de gás muito leve que já ganhou vários prémios internacionais. E que tem um dos melhores sistemas de Multibanco a nível mundial, onde se fazem operações que não é possível fazer na Alemanha, Inglaterra ou Estados Unidos. Que fez mesmo uma revolução no sistema financeiro e tem as melhores agências bancárias da Europa (três bancos nos cinco primeiros).
Eu conheço um país que está avançadíssimo na investigação da produção de energia através das ondas do mar. E que tem uma empresa que analisa o ADN de plantas e animais e envia os resultados para os clientes de toda a Europa por via informática.
Eu conheço um país que tem um conjunto de empresas que desenvolveram sistemas de gestão inovadores de clientes e de stocks, dirigidos a pequenas e médias empresas.
Eu conheço um país que conta com várias empresas a trabalhar para a NASA ou para outros clientes internacionais com o mesmo grau de exigência. Ou que desenvolveu um sistema muito cómodo de passar nas portagens das auto-estradas. Ou que vai lançar um medicamento anti-epiléptico no mercado mundial. Ou que é líder mundial na produção de rolhas de cortiça. Ou que produz um vinho que “bateu” em duas provas vários dos melhores vinhos espanhóis. E que conta já com um núcleo de várias empresas a trabalhar para a Agência Espacial Europeia. Ou que inventou e desenvolveu o melhor sistema mundial de pagamentos de cartões pré-pagos para telemóveis. E que está a construir ou já construiu um conjunto de projectos hoteleiros de excelente qualidade um pouco por todo o mundo.
O leitor, possivelmente, não reconhece neste País aquele em que vive – Portugal. Mas é verdade. Tudo o que leu acima foi feito por empresas fundadas por portugueses, desenvolvidas por portugueses, dirigidas por portugueses, com sede em Portugal, que funcionam com técnicos e trabalhadores portugueses. Chamam-se, por ordem, Efacec, Fepsa, Ydreams, Mobycomp, GALP, SIBS, BPI, BCP, Totta, BES, CGD, Stab Vida, Altitude Software, Primavera Software, Critical Software, Out Systems, WeDo, Brisa, Bial, Grupo Amorim, Quinta do Monte d’Oiro, Active Space Technologies, Deimos Engenharia, Lusospace, Skysoft, Space Services. E, obviamente, Portugal Telecom Inovação. Mas também os grupos Pestana, Vila Galé, Porto Bay, BES Turismo e Amorim Turismo. E depois há ainda grandes empresas multinacionais instaladas no País, mas dirigidas por portugueses, trabalhando com técnicos portugueses, que há anos e anos obtêm grande sucesso junto das casas mãe, como a Siemens Portugal, Bosch, Vulcano, Alcatel, BP Portugal, McDonalds (que desenvolveu em Portugal um sistema em tempo real que permite saber quantas refeições e de que tipo são vendidas em cada estabelecimento da cadeia norte-americana). É este o País em que também vivemos. É este o País de sucesso que convive com o País estatisticamente sempre na cauda da Europa, sempre com péssimos índices na educação, e com problemas na saúde, no ambiente, etc. Mas nós só falamos do País que está mal. Daquele que não acompanhou o progresso. Do que se atrasou em relação à média europeia. Está na altura de olharmos para o que de muito bom temos feito. De nos orgulharmos disso. De mostrarmos ao mundo os nossos sucessos – e não invariavelmente o que não corre bem, acompanhado por uma fotografia de uma velhinha vestida de preto, puxando pela arreata um burro que, por sua vez, puxa uma carroça cheia de palha. E ao mostrarmos ao mundo os nossos sucessos, não só futebolísticos, colocamo-nos também na situação de levar muitos outros portugueses a tentarem replicar o que de bom se tem feito. Porque, na verdade, se os maus exemplos são imitados, porque não hão-de os bons serem também seguidos?
Nicolau Santos, director – adjunto do jornal Expresso
In Revista Exportar

12 outubro 2006

Para quê verdades?

Os seis minutos mais belos da história do cinema
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Sancho Pança entra num cinema de uma cidade de província. Está à procura de D. Quixote e encontra-o sentado a um canto, de olhos postos no écran. A sala está quase cheia, a galeria – que é uma espécie de varanda – está inteiramente ocupada por crianças barulhentas. Depois de algumas tentativas inúteis de ir ter com D. Quixote, Sancho senta-se contrariado na plateia, junto de uma menina (Dulcineia?) que lhe oferece um chupa-chupa. A projecção começou, é um filme de época, no écran correm cavaleiros armados, a certa altura aparece uma dama em perigo. De repente, D. Quixote levanta-se, desembainha a espada, precipita-se contra o écran e os seus golpes começam a rasgar a tela. No écran ainda se vêem os cavaleiros e a dama, mas o rasgão negro, aberto pela espada de D. Quixote, vai-se alargando cada vez mais, devora implacavelmente as imagens. No fim, do écran já quase nada resta, vê-se apenas a estrutura de madeira que o sustentava. O público, indignado, abandona a sala mas, na galeria, as crianças não param de encorajar fanaticamente D. Quixote. Só a menina da plateia o contempla com ar de censura. Que devemos fazer com as nossas imaginações? Amá-las, acreditar nelas, a tal ponto que temos de as destruir, falsificar (talvez seja este o sentido do cinema de Orson Welles). Mas quando, no fim, elas se revelam ocas, inatingíveis, quando mostram o nada de que são feitas, só então podemos descontar o preço da sua verdade, compreender que Dulcineia – que salvámos – não pode amar-nos.
Giorgio Agamben, Profanações

08 outubro 2006

The Pillow Man

A premissa – Um escritor num regime totalitário é interrogado acerca do conteúdo grotesco dos seus contos e das suas semelhanças com uma série de homicídios infantis que estão a acontecer na sua cidade.

O autor – Martin McDonagh nasceu em 1970, em Londres. Em 2003 escreveu The Pillowman, peça galardoada com o Prémio Lawrence Olivier no ano seguinte.

O encenador – Tiago Guedes nasceu em 1971. Estreou-se na longa-metragem em 2005 com Coisa Ruim. É realizador de inúmeros telediscos e ganhou vários prémios em festivais nacionais e internacionais.

Algumas perguntas – Qual a responsabilidade de um artista pelo seu trabalho? Pode um artista ser culpado pelos sentimentos que o seu trabalho provoca? E se alguém agir segundo esses sentimentos, quem é o responsável afinal?
Os leitores mais atentos aqui do Mise en Abyme decerto se lembrarão de uma proposta de conversa que versava sobre o filme das nossas vidas. Apesar de a utilidade e a finalidade de um bate-boca desses serem sempre discutíveis, a verdade é que os visitantes cá da casa aderiram e houve respostas surpreendentes. Pois bem. Creio que ontem foi a noite para assistir à “peça de teatro da minha vida”.
Não sou uma frequentadora assídua de teatro, daquelas que acompanham todas as peças e conhecem o trabalho de todas as companhias e grupos. No entanto, tento ir frequentemente ao teatro e tenho algumas experiências insubstituíveis. Ainda hoje recordo a expressão do Virgílio Castelo, perdido de amores pela diva, no Encontro com Rita Hayworth do Teatro Aberto. Também revivo, com muita emoção, o Tiestes de Luís Miguel Cintra e a voz do Diogo Dória a ecoar por toda a Cornucópia.
Sempre gostei de enredos perversos, capazes de nos fazer aceitar e até de nos fazer compreender os actos mais violentos. Talvez por isso, tenha gostado tanto de The Pillow Man. Mas há mais. Tive a sorte de ficar na primeira fila, frente a frente com quatro actores colossais e frente a frente com uma encenação como nunca antes tinha visto – não esquecerei aqueles azulejos brancos, assim como não esquecerei a chuva verde.

Lembro-me de ter pensado, depois de ter visto o Coisa Ruim, que estávamos na presença de um homem que parecia nada temer. Esse homem chama-se Tiago Guedes. Com o mesmo à vontade com que realizou uma das mais inquietantes histórias portuguesas, sem precisar de recorrer aos clichés paranóicos de tantos realizadores da nossa praça, envolveu-se agora, sem recear consequências, na encenação de um texto perigoso. Porquê perigoso? Porque talvez ainda haja muita gente que não está preparada para enfrentar a verdade que é exposta por Katurian, todo bondade e frontalidade e, ao mesmo tempo, todo perversidade e brutalidade.
Peças destas são marcos nas nossas vidas. Peças destas fazem-nos ter coragem para observarmos o ser humano de uma outra perspectiva. Em suma, peças destas fazem-nos perceber que vivemos na fronteira entre o bem e o mal, sempre a escorregar para ambos os lados. (E o "meu" Bergman anda aqui tão perto...)

Por isto, sugiro (ordeno!) que vão ao Teatro Maria Matos. (Lembrem-se de que o teatro tem o lado sedutor de ser irrepetível e não percam The Pillow Man.)

06 outubro 2006

Exposição que promete

Aqui!

Snakes on a Plane


O Mise en Abyme já foi ver e aprovou!
(Depois de assistir a um filme assim, ainda se absorve melhor a graça disto.)

Anuário de Vinhos 2007



O Anuário de Vinhos 2007 é o resultado distanciado e objectivo da prova cega de mais de 2500 vinhos de mesa portugueses, incluindo ainda a classificação de Vinho do Porto, Moscatéis, Vinho da Madeira e Colheitas Tardias.

Começa a ser hora de mudarmos o discurso de “o vinho está caro”. O que está caro são os vinhos que todos querem comprar. São estes vinhos de que muito se fala e que poucos bebem que se tornaram responsáveis por alguns preços exorbitantes que reflectem, mais do que a qualidade, a procura que têm pelos consumidores com forte poder de compra.
Se quer um conselho – esqueça estes vinhos – pelo menos na maioria das suas compras. Eles não o “levam ao céu”, assaltam-lhe sem piedade a carteira e quando chega a hora da verdade não lhe dão muito mais prazer que outros vinhos bem mais baratos.
João Afonso, Anuário de Vinhos 2007

“para poder comprar vinhos bons e saber compará-los, adquira o Anuário de Vinhos, da Biblioteca do Vinho das Edições Cotovia.”
Vasco d’Avillez, Notícias Magazine – DN /JN

“o que me interessa é saudar João Afonso, que partilha connosco a sua sensibilidade de grande provador e toda a sua extraordinária cultura vinícola no recém-publicado Anuário de Vinhos.”
José Quitério, ÚNICA / Expresso

“O Anuário de Vinhos é de consulta obrigatória, ao menos para os apreciadores que, ao prazer de beber vinhos, gostam de juntar o de aprender mais sobre eles.”
David Lopes Ramos, Fugas / Público

João Afonso nasceu em 1957. Tendo sido primeiro bailarino do Ballet Gulbenkian, é há alguns anos redactor da Revista de Vinhos. Crítico de vinhos, produtor de vinhos e de azeite, João Afonso publica, desde o ano 2000, o seu Anuário de Vinhos, que rapidamente se tornou numa referência de grande qualidade no panorama nacional.
Livros Cotovia - 16 euros

01 outubro 2006

You' ve never seen me



Thomas fotografou. Thomas seduziu. Thomas fartou-se de cabras. Thomas ampliou. Thomas constatou. A insensibilidade de Thomas converteu-se numa curiosidade insaciada. Thomas viu. (Thomas imaginou?)
Num filme inteiramente devoto a Thomas, é sobre nós que pensamos. Mais uma vez o cinema encaixado em nós, a reproduzir a nossa própria vida, a fazer-nos criar fantasmas. Umas vezes criados, outras vezes destruídos. Será sempre uma viagem alucinante ao fundo de nós mesmos. Nem poderia ser de outra forma. Quando é de outra forma, perde o sentido. Depois de paranóicos e desnorteados, presenciámos um jogo de ténis. (Andam sempre à procura da verdade e da realidade. Sempre. Precisam que o cinema seja convincente. Mas porquê?)
E quando surge o the end, ainda rodamos a cabeça de um lado para o outro. Porque é assim que se vive o cinema.

29 setembro 2006

Desconcertante

"Não sou um anticomunista primário. Sou um anticomunista universitário. É com esta franqueza, despida das refinadas subtilezas ininteligíveis tão ao gosto da Corte de qualquer época, que Raul Miguel Rosado Fernandes denuncia os que desbaratam inimputavelmente o dinheiro de todos, auxiliados pelo serviço do jornalismo e da justiça, com o seu mercado aberto para as secretarias do poder. Memórias de um rústico erudito é, neste sentido, um retrato realista da alma pouco recomendável da política. Não haja dúvidas de que o seu autor se situa à direita. Mas o retrato que apresenta dificilmente será rejeitado por gente inconformada, descomprometida e séria.

É difícil prender na rigidez duma classificação este conservador liberal que distingue como exemplar o labor de alguns colegas parlamentares comunistas; que se correspondeu com Jorge de Sena ou com José Rodrigues Miguéis; que destrói numa penada essa espécie de claques de futebol que são as Juventudes Partidárias – tudo isto num estilo claro e saboroso, num tom muitas vezes ridente e aqui e ali não limpo de algumas culpas.

A sua não é uma história pessoal de infortúnios, embora tenha descido aos infernos na cilada em que Abril de 74 cedo se tornou; e a eloquência vernacular, admite, foi apurada ali, no curso forte das circunstâncias. Mas não só. Nascido bem, a família garantiu-lhe uma educação invulgar; o seu espírito fez o resto. Apurou a inteligência no estudo dos antigos; Doutor em Filologia Clássica pela Universidade de Lisboa, aí ascendeu a Professor Catedrático ainda com 40 anos de idade (1974) e aí foi Reitor (entre 1979 e 1983). Infatigável na aprendizagem, domina as principais línguas estrangeiras, convive com intelectuais e políticos da mais variada proveniência. Homem de cultura cita com a mesma facilidade Damião de Goes, Henrik Ibsen ou Drummond de Andrade. Tem o instinto da graça, que cultiva sem parcimónia, com a mesma irreverência com que confessa nunca estar imune aos encantos do sexo oposto. Mas nem esses inevitáveis arrebatamentos, nem as suas proverbiais cóleras, parecem falar em seu desabono. Na verdade, só se pronuncia com conhecimento de causa.

E tem-no. Parlamentar na Europa e na Assembleia da República (para a qual se fez eleger, pelo CDS-PP, no distrito de Setúbal, «onde até os gatos são vermelhos»), pode aí comprovar quotidianamente aquilo de que já suspeitava, pois sempre foi homem de acção política. É ao seu reflectido e interveniente desassombro, e ao dos seus companheiros de luta, que se deve em grande parte o que é hoje o associativismo agrícola do país, e bem mais do que isso: a manifestação popular que, em 24 de Novembro de 1975, dividia Portugal ao meio, ostensivamente recusando-se a ser mais uma província soviética. Professor catedrático, Reitor, analisa retrospectivamente o meio universitário, também ele minado por uma competitividade tantas vezes torpe. Gestor agrícola, amante da Natureza, fundador da CAP, conhece os problemas da agricultura portuguesa como poucos, e no campo passa por «engenheiro».

A que se deve a nossa histórica inadaptabilidade às formas superiores de civilização? É uma das perguntas condutoras desta narrativa, que arranca pessoal, com a deliciosa descrição de uma família de grandes senhores da terra alentejanos, espelho de uma parcela pequeníssima do país, e de uma época, o início do século XX.

Aos 72 anos, Raul Miguel Rosado Fernandes diz-se desenganado com o incerto caminho do mundo. Mas o que as suas Memórias também atestam, escritas de cabeça (escritas de cor), é a vontade de não desistir por parte de quem, apesar de tudo, sempre se desdobrou em desvelos para com o país natal. Este testemunho, nítida contenda com o país institucional, é o arremesso do punho (o mesmo punho que inaugurou historicamente o confronto físico no hemiciclo do Parlamento Europeu) que insiste em provar que, na política, nem tudo é glosa do mesmo mote. Que crie, portanto, algum alvoroço."
Livros Cotovia - 28.35 €

26 setembro 2006

What Kind of Blogger Are You?


You Are a Pundit Blogger!



Your blog is smart, insightful, and always a quality read.

Truly appreciated by many, surpassed by only a few

24 setembro 2006

Homenagem à beleza etérea – VI



Há mulheres que não nasceram para ser actrizes, “apenas” belas.
A Inés Sastre é um bom exemplo disto mesmo.

22 setembro 2006

17 setembro 2006

Aviso à tripulação

A partir deste momento, o Mise en Abyme continuará a ser um espaço de tributo ao cinema mas passará a ser também um lugar de divulgação cultural.
Sejam bem-vindos!

03 setembro 2006

Exercício “poético”



Já gastei as palavras pela rua,
Tantos elogios, tantas estupefacções,
E o que ficou é uma torturante admiração pelo teu talento.
Gastei os olhos com o sal das lágrimas,
Gastei-os contigo por seres Charlotte
- I just don’t know what am I supposed to be -
Voltei a gastá-los quando decidiste ser Pursy Will
- But I really don't want to know

Meto as mãos na memória e recordo-me de ti naquela fotografia
A mais perfeita de todas
- Just one moment can change everything

Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que as tuas personagens eram só minhas,
Era no tempo em que eu acreditava que as tuas personagens eram só minhas.
Hoje são “apenas” personagens.
Não é pouco, mas é verdade,
Personagens minhas e de todos.

Conheci-te quando eras Rebecca.
Acho que te conheci quando eras Rebecca.
Ou terá sido quando eras Rachael e o piano teimava em não soar bem?
Já não sei. Também já não importa.
O passado é inútil como um trapo.
Aquilo que interessa é que continuas a ser.
És Griet, Meg, Alex, Nola e até mesmo Two Delta.
Pouco me importa. Desde que permaneças.

Até breve.

Fotografia retirada daqui.
Poema original de Eugénio de Andrade.

29 agosto 2006

A um amigo



O Amigo

Era bom encontrar o amigo
No Café, onde estava a olhar
Com um gesto elegante e ambíguo
Para o fumo a sumir-se no ar.

A poesia era o tema dilecto
Da conversa que o tempo engolia.
O real, o preciso, o concreto
Nem sabiam que a gente existia.

Nada era para nós maculado,
Nem um só sentimento era fosco:
Porque havia outra luz, outro lado,
E o mistério morava connosco.

Tudo isto foi antes de Orfeu
Ter levado o encanto consigo.
Esse amigo está vivo – e morreu.
(E de mim, que dirá esse amigo?)

Carlos Queiroz (dedicado a Fernando Pessoa)

17 agosto 2006

Mais achas para a fogueira

Rodrigues da Silva no JL de hoje:
"Sou franco: Miami Vice não me interessa absolutamente nada. Aquele foguetório todo passa-me ao lado, como ao lado me passa mais esta história de polícias & ladrões, no caso em apreço FBI versus traficantes de droga sul-americanos. Já vi. Mesmo se não vi, já vi (é tudo tão previsível, tão cheio de estereótipos, meu deus…) É bem filmado, Miami Vice? É. Pra caraças. Michael Mann sabe da poda: filma discotecas como ninguém, filma lanchas & carros, explosões & tiroteios, mortes & perseguições, tudo com um à-vontade invejável, mostrando-se mesmo impecável numa cena de amor. Mas, que querem?, o seu filme não me diz nada. Dizem que diverte, o azar é que eu gosto de me divertir/divergir (o radical etimológico é o mesmo) de outra maneira. Ou com outro cinema. Que me emocione, me inquiete, me faça pensar. E pensar-me. A culpa não é, pois, do Michael; a culpa é minha."
Tivesse eu escrito sobre Miami Vice e as minhas palavras seriam análogas a estas.

14 agosto 2006

Encontros

Para a Ana, por ter tanta coragem.

Cathy Brenner: [while Melanie is playing the piano] I still don't understand how you knew I wanted lovebirds.

Melanie Daniels: Your brother told me.

Lydia Brenner: Then you knew Mitch in San Francisco. Is that right?

Melanie Daniels: No, not exactly. [grabs a cigarette out of an ashtray]

Há planos assim - VIII



Though nothing can bring back the hour
Of splendor in the grass, of glory in the flower
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind.
William Wordsworth

27 julho 2006

Com os olhos bem abertos

F.W. Murnau vive. Vive nos medos, vive nas sombras, vive nas inquietações mas também vive no amor. Será que viverá para todo o sempre? Pessoalmente, torço para que assim seja. Enquanto houver projecções de Sunrise: A Song of Two Humans, Herr Tartüff e Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, podemos estar descansados quanto à sua sobrevivência.
Ontem à noite, a sala 3 do King estava bastante composta para assistir a Sunrise. Não escondo a minha alegria quando sinto o entusiasmo dos outros pelo cinema. Especialmente quando se trata de um filme mudo. Lá estavam pessoas de todas as idades a vibrarem de forma genuína com as sequências absolutamente geniais de Murnau.
Por momentos, estivemos em 1927 mas houve alturas em que também estive em 1915, ano de The Cheat, filme de uma violência e de uma misoginia perfeitamente actuais. Há algo que aproxima o filme de Murnau e este de Cecil B. DeMille. Talvez seja a ousadia de filmar ímpetos violentos. Em Murnau, o marido, levado por um desejo pecaminoso, resolve assassinar a mulher. Em DeMille, o acto de violência é consumado e punido.
Diz-se que Truffaut terá eleito Sunrise como "o mais belo filme de sempre". É de facto um filme belíssimo na maneira como se dedica ao arrependimento e à redenção mas prefiro nomeá-lo o mais esperançoso de todos os filmes. Ou, se quiserem, o filme em que tudo é perdoável e possível.

E esta, hein?

The Movie Of Your Life Is Erotic Thriller




You've made your own rules in life - and sometimes that catches up with you.

Winding a web of deceit comes naturally, and no one really knows the true you.



Your best movie matches: Swimming Pool, Unfaithful, The Crush

14 julho 2006

Parabéns Ingmar Bergman!

Parabéns ao homem e obrigada ao cineasta.

12 julho 2006

Ela faz cinema

Quando ela chora
Não sei se é dos olhos para fora
Não sei do que ri
Eu não sei se ela agora
Está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama
Quando me encara e desata os cabelos
Não sei se ela está mesmo aqui
Quando se joga na minha cama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é a tal
Sei que ela pode ser mil
Mas não existe outra igual
Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Prevejo meu fim
E a cada vez que o perdão
Me clama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é demais
Talvez nem me queira bem
Porém faz um bem que ninguém
Me faz
Eu não sei
Se ela sabe o que fez
Quando fez o meu peito
Cantar outra vez
Quando ela jura
Não sei por que Deus ela jura
Que tem coração
e quando o meu coração
Se inflama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é assim
Nunca será de ninguém
Porém eu não sei viver sem
E fim.
Chico Buarque
(E obrigada pelo convite para participar na tertúlia!)

03 julho 2006

Homenagem à beleza etérea - V

Saffron Burrows
(Poucas mulheres conseguiriam sobressair no meio de tantas ideias visuais como aquelas que vemos em Klimt. Saffron Burrows consegue. E isto não é uma precipitação. É uma certeza.)

01 julho 2006

Inacreditável

Luís Miguel Oliveira deu a pontuação mínima ao filme A Tale of Two Sisters.
Perante isto, repito a minha observação do passado dia 27 de Junho: onde é que estão os críticos capazes de estimar e compreender o terror?

Gostava de ter sido eu a dizê-lo

A arte é uma forma de nos defendermos contra a morte e uma forma de compensação diante do terror que a vida inspira. Como a religião, a arte é uma tentativa para o homem se aproximar da transcendência, criando algo que ficará para além dele próprio.
João Bénard da Costa

27 junho 2006

Dupla vénia


Perante a raridade de pessoas que estimam verdadeiramente o terror e sabem escrever sobre filmes deste género, resta-me fazer uma vénia à seguinte crítica. (E se ainda não o foram ver, não hesitem! Estamos perante um dos melhores filmes do ano.)

26 junho 2006

Bendita última página!

Apetece-me agradecer à Pública por todas as vezes que sorrio / rio / dou gargalhadas a ler esta página. Obrigada!
(Sim, eu sei que não é cinema. Mas também é uma demonstração de inteligência através de imagens e de palavras.)

18 junho 2006

Hey You

Verdades inabaláveis
Noah Baumbach
É bom que decoremos este nome rapidamente. Já o devíamos saber de cor desde que assistimos a The Life Aquatic with Steve Zissou mas ainda vamos a tempo de nunca mais o esquecer.
Jeff Daniels
Insubstituível desde The Purple Rose of Cairo.
Laura Linney
Sempre gostei de a ver como mulher de homens rijos.

Primeiras considerações
Não é habitual vermos um filme em que todas as personagens são de tal forma complexas e humanas que poderíamos assistir a esse mesmo filme a partir do ponto de vista de qualquer uma delas. Ontem, na sala do Monumental, escolhi ser Walt Berkman, o filho mais velho de The Squid and the Whale. Da próxima vez, talvez escolha ser Bernard Berkman, o intelectual avarento e fracassado.
Decidi tomar o partido de Walt desde o momento em que constatei que esta personagem incorpora algo a que sempre chamei o fenómeno “até o meu pai diz”. O que quero dizer com isto? É simples. Quando um filho ainda não atingiu um certo distanciamento em relação ao pai e não consegue formular opiniões por si só, baseia-se sempre naquilo que ouve da boca do pai e repete-o incessantemente em frente aos amigos. (Por vezes, acontece mesmo que o adolescente sente necessidade de sublinhar as suas palavras e então profere um sentido “até o meu pai diz” no princípio de cada frase.)
Ora, não só Walt Berkman usa e abusa deste fenómeno para impressionar a namorada, como tudo na vida dele parece girar em torno do pai. Parece mas talvez não gire e talvez não tenha mesmo de girar. Na verdade, é a enfrentar a recordação materna que Noah Baumbach dá por concluído o seu filme. E que filme! The Squid and the Whale surge então como um abalar de consciências, propício a ser visto por espectadores de todas as idades. Haverá sempre um de nós que se identificará com alguma das personagens. No meu caso particular, quero ser como Walt Berkman e enfrentar todas as construções, reais ou irreais, que vou conservando na minha memória desde criança. Enfrentá-las, desconstruí-las e, se for necessário, fugir delas até me sentir preparada para as receber de vez.

17 junho 2006

Comentário a um amigo

Para ler antes do meu comentário.
a) Eu também fazia parte do grupo de pessoas que foi ver este filme. Quando saímos da sala, não concordei com aqueles que tinham gostado muito mas também não estive de acordo com o Francisco.

b) Tecnicamente, o filme até pode lembrar um videoclip (e o facto de isto ser um ponto negativo é discutível) mas tem uma qualidade evidente: um bom trabalho de mise-en-scène a fazer lembrar o recente Red Eye do grande Wes Craven.

c) Concordo com uma frase da Visão Online: a pedofilia é um assunto delicado. Indo mais longe, nunca aceitei que se etiquetassem todos os pedófilos como criminosos macabros. Daí que a ideia de conceber uma justiceira de crianças abusadas não me convença. (Será que há uma real proximidade entre o caso de Roman Polanski, mencionado no filme, e a história do homem que violava a sobrinha de oito anos?)

d) Ellen Page vicia e faz com que todas as atenções recaiam sobre ela. A primeira sequência, em que a vemos a conversar com o fotógrafo num café, fez-me ter a certeza de que estávamos na presença de uma actriz. A sua capacidade de nos fazer confundir ingenuidade com perversidade pareceu-me bem mais relevante do que todas as outras habilidades que executa ao longo do filme.

e) O mistério que envolve esta capuchinho vermelho vingativa reúne mais perversidade do que todas as cenas supostamente perversas. Quem é esta adolescente? De onde vem? O que a move? Nunca saberemos e ainda bem. Gosto de filmes que não apresentam soluções.

15 junho 2006

Suposição matinal

Se eu resolvesse fazer um inquérito de rua e perguntasse a rapazes portugueses, nascidos entre 1978 e 1988, qual o filme preferido, tenho quase a certeza de que a resposta seria uma de duas: Braveheart (para os menos "cinéfilos") ou The Big Lebowski (para os mais "cinéfilos").
(Para todos aqueles que não se incluem nesta suposição, o meu mais sincero cumprimento cinéfilo.)

04 junho 2006

Um murro no estômago



Sobre o seu filme, Miguel Clara Vasconcelos terá dito que não queria comparações com Belarmino de Fernando Lopes. A pergunta que se coloca é o porquê desta renúncia a um sóbrio antepassado comprovativo de que os cineastas têm filmado o boxe como quem observa um espectáculo inquietante. Senão, recordemos por breves instantes Jake La Motta de Raging Bull e a forma como Martin Scorsese transformou a violência no meio de expressão do seu protagonista. Escusamos até de viajar tantos anos na história do cinema quando podemos simplesmente recordar o último de Clint Eastwood, Million Dollar Baby, ainda aqui tão perto.
Mas regressemos a Documento Boxe, motivo pelo qual iniciámos este texto. Nascido em Lisboa em 1971, ano do célebre combate de boxe Frazier vs. Ali, Miguel Clara Vasconcelos foi vencedor do Festival Internacional de Curtas-Metragens de Vila do Conde. À partida, parece-nos que este documentário é mais um filme a transmitir esse fascínio pelo boxe que tem marcado a sétima arte. Porém, mais do que isso, Documento Boxe insere-se numa cultura documental portuguesa que tem dado a conhecer um Portugal quase ignorado.
Compreender Documento Boxe implica que o relacionemos com documentários como À Flor da Pele, realizado por Catarina Mourão, e Gosto de Ti Como És, assinado por Sílvia Firmino. Em conjunto, estes filmes são representativos da vontade de mostrar um Portugal menos evidente aos espectadores e de o desmistificar, apontando o real sem artifícios. Neste gesto de filmar um país simultaneamente genuíno e castiço, a lembrar desejos neo-realistas de outros tempos, reside o problema de os espectadores não estarem preparados para o aceitar.
E assim, caminhando fugazmente por momentos cinematográficos, regressamos a Documento Boxe. No momento em que conhecemos Jorge Pina, protagonista deste documentário, já estamos familiarizados com o mundo do boxe português. A câmara do realizador proporcionou-nos que fossemos testemunhas ocultas das pesagens dos atletas e do convívio entre treinadores e pugilistas. Ao contrário de Scorsese, Miguel Clara Vasconcelos apresenta-nos um protagonista que se exprime através de palavras e que nos conta várias histórias.
Preparemo-nos pois para o receber de braços abertos, dispostos a inesperados murros no estômago. “Vais ler e vais gostar da história”, diz-nos o pugilista. “Vão ver e vão gostar da história”, digo-vos eu. Todas estas breves referências apoiam a conclusão de que esta história de Jorge Pina deve ser entendida como parte integrante de um novo cinema português que precisa de espaço e de espectadores para se poder definir e desenvolver. Desbravando caminhos, experimentando diferentes estéticas que nem sempre recebem elogios, a fotografia de Sérgio Brás d’ Almeida neste documentário é exemplificativa disto mesmo, assim cresce o nosso cinema.

20 maio 2006

The Aristocrats



Para quem não tem medo de rir.
Para quem não tem medo do cinema.
No fundo, para quem não tem medo de si mesmo.

07 maio 2006

Proposta editorial

"O Cine Guia® 2007, dedicado aos filmes disponíveis no mercado português no formato de DVD, vai estar nas livrarias e em diversos outros pontos de venda a partir de Outubro de 2006, representando um poderoso estímulo para a compra e o aluguer de DVDs.

O Cine Guia® 2007 é da autoria do crítico de cinema e jornalista Miguel Lourenço Pereira, criador do blog Hollywood, tendo prefácio de Mário Dorminsky, fundador e director do Festival Internacional de Cinema do Porto/Fantasporto.

O Cine Guia® 2007, que terá o formato de um estojo de DVD, para facilitar a arrumação em casa junto dos DVDs como livro de consulta, terá distribuição nacional em livrarias e outros pontos de venda de revistas e de jornais, em hipermercados e áreas de serviço.

Esta iniciativa editorial – que terá continuação nos anos seguintes – é um projecto profissional que descende directamente do anuário Video 89, Video 90, Video 91, Video 92 e Video 93, em que colaboraram especialistas portugueses (jornalistas e críticos de cinema), e insere-se na tradição dos «movie guides» que proliferaram nos EUA e que tanto êxito obtiveram nos países de língua inglesa, fornecendo ao público uma informação eficaz sobre o que existe no cinema, em sala e em casa («home cinema» e TV)."

06 maio 2006

Dois lados da razão

1)
Se será sempre muito difícil suceder a tão carismática personalidade, a dificuldade foi acrescida pelo modo como ele semeou o deserto à sua volta. Desde Maio de 2003 que não há responsável do departamento de Programação (é o próprio Bénard quem exerce o pelouro), e em Outubro passado, depois de não se ter efectivado em Maio a substituição que era das regras, a Cinemateca ficou mesmo durante meses sem vice-presidentes, pela demissão de José Manuel Costa e pela reforma antecipada de Rui Santana Brito. Que a instituição se chame Cinemateca Portuguesa é mesmo ficcional. Protocolos com instituições não são cumpridos, cineclubes e outros bem podem pedir cópias, e qualquer governante que já tenha tido a tutela sabe que o obstáculo intransponível a uma programação no Porto, na Casa das Artes, tem sido o próprio presidente Bénard. Mais: há anos a Cinemateca adquiriu direitos de uma importante colecção à Hollywood Classics, que permitia ter um acervo considerável de cópias susceptível de circulação pelo país, e que afinal ficaram na gaveta, num acto lesivo do interesse público, financeiramente inclusive.
Augusto M. Seabra, Público, 27 de Abril de 2006
2)
Se houve alguém que entendeu a luz e nunca se escondeu da sombra (embora seja dessa combinação que ele nasceu para este mundo) foi João Bénard da Costa. Poucas pessoas neste pequeno canto europeu deram tanto a tantas (ou várias) gerações; poucos, muito poucos, nos fizeram sonhar, ver e aprender a mais bela das artes: o cinema.
(...)
Mas nós - que o conhecemos, que o ouvimos e o lemos - temos a obrigação de dizer que seríamos bastante diferentes se não tivessemos por ele passado.
(...)
O Nicholas Ray, o King Vidor, o Capra, o Lubitsch ou o Hawks não nos foram apresentados pessoalmente. Deram-se apenas a conhecer pelo João Bénard da Costa. Estes amigos e tantos outros, que normalmente estavam lá para fora envergonhados, foram cantados, recordados e maravilhosamente "filmados" por ele. Nunca ninguém como ele conseguiu alguma vez fazer-nos ver o filme pela décima vez.
(...)
A sua magia estava sempre na utilização do absoluto: "O maior filme de sempre...", "O melhor beijo alguma vez filmado...", "o melhor início de qualquer dos filmes de Ford...". Mas também no louco cruzamento de planos, da pintura ao cinema, da literatura à fotografia.
(...)
João Bénard da Costa ficará para sempre na história do cinema, pois muito o cinema lhe deve, aqui ou em qualquer parte do mundo. A Cinemateca, tal como a conhecemos, não existia sem ele, sem a sua paixão, sem a sua alma, feita de "luz e sombra".
Nuno Galvão Teles, Público, 3 de Maio de 2006

23 abril 2006

Vício cinéfilo

A história de uma família italiana acompanhada pelos espectadores desde o fim dos anos 60 até aos dias de hoje. Esta é a sinopse de A Melhor Juventude. Eficaz mas redutora. Poderíamos acrescentar: fragmentos de vida, testemunhos de emoções, vestígios de dor. Continuaria redutora.
A Melhor Juventude, filme assinado por Marco Tullio Giordana, foi uma aposta do Cinema King que demorou pouco tempo até se transformar num autêntico acontecimento cinematográfico. De um momento para o outro, e quase inexplicavelmente, o público português aderiu em massa a este filme e deslocava-se ao King para ver as duas partes, cada uma com 3 horas de duração.
Ainda hoje, e já passaram mais de dois anos, os espectadores continuam a adquiri-lo ou a alugá-lo para conhecerem os irmãos Nicola e Matteo cujas vidas se alteraram desde o encontro com uma jovem doente.
A explicação para este sucesso só se torna difícil de perceber para quem nunca viu o filme. A Melhor Juventude, que começou por ser um projecto encomendado como série pela televisão estatal italiana, traz ao grande ecrã um ritmo concentrado e quase linear que, mais velozmente do que o cinema nos habituou, vai saltando de ano em ano, de acontecimento em acontecimento e de personagem em personagem. E aqui surge uma outra qualidade desta película que não pode ser desprezada: a escolha dos actores.
Carismáticos, conscientes da densidade psicológica das suas personagens, sempre no tom certo e conseguindo sabiamente fazer uso das suas características físicas. E devo sublinhar a parte final: fazer uso das suas características físicas. Neste filme, talvez como em poucos, todas as mulheres são belas, no sentido mais cativante que o adjectivo possui, e todos os homens são belos, no sentido mais fascinante que o adjectivo possui.

Desculpem...

Para todos aqueles que têm perguntado se abandonei o Mise en Abyme, a resposta é não. Não abandonei e não tenciono abandonar. No entanto, o tempo tem sido escasso e os filmes que tenho visto, salvo raras excepções, não merecem figurar num blog de homenagem à sétima arte.

Até breve!

29 março 2006

E agora...

O Mise en Abyme tem o prazer de apresentar
a mais recente produção independente
(E se quiserem ser realizadores por uns instantes, cliquem aqui.)

27 março 2006

Homenagem à beleza etérea - IV

Bibi Andersson
(Talvez nunca a tenhamos visto tão perfeita como em O Sétimo Selo.)

A morte aqui tão perto

Novamente Bergman. Porque nunca é demais escrever sobre ele, especialmente se acabámos de sair da Cinemateca depois de uma sessão de O Sétimo Selo. A omnipresença de Bengt Ekerot, recolhendo vidas através do seu manto negro, conduziu-nos até à morte espiritual de Persona e fez com que recordássemos o caminhar célere da vida de Morangos Silvestres e o ressuscitar amedrontado de Lágrimas e Suspiros. Caminhos complexos de percorrer, memórias difíceis de guardar.
Fomos testemunhas de um recital de sombras orquestrado pela morte. Porém, sentimo-nos consolados porque acreditamos que haverá sempre leite e morangos para partilhar. Vencendo a peste e o medo, assistimos ao renascer da esperança através de uma Bibi Andersson de longos cabelos louros, acompanhada pelo marido e filho numa espécie de presépio celestial.
E foi assim que, por esta vez, Ingmar Bergman se despediu de nós, espectadores confiantes na busca pelo sentido da vida.

E, assim, as Lágrimas e Suspiros se desvanecem.

23 março 2006

Quando o talento é descoberto



Presley Chweneyagae



Terry Pheto

Façamos figas para que Tsotsi não seja o primeiro e último filme em que estes actores puderam fazer uso do seu enorme talento. O cinema só tem a ganhar com rostos como estes, capazes de transmitir tudo através de uma enorme economia de palavras e de gestos. E nós também.

Parabéns pelo Óscar!

Proposta de discussão - XV





Se Viggo Mortensen se tivesse ficado pela incursão no imaginário de J.R.R. Tolkien, guardaríamos para sempre a recordação do grande Aragorn, herói como poucos. Porém, Viggo Mortensen seguiu em frente e tornou-se protagonista de um filme de David Cronenberg.
Surge então a dúvida: estará Viggo Mortensen à altura de ser o actor principal de um filme como A History of Violence? Pergunto isto porque também recordo a sua prestação em The Portrait of a Lady e sou da opinião de que Viggo Mortensen não tem a versatilidade e o carisma necessários para ser um grande actor.
Qual a vossa opinião?