28 novembro 2005

Sobreviver à morte

A razão que me leva a escrever sobre Elizabethtown nada tem a ver com a fraca interpretação de Orlando Bloom que exercita uns esforçados trejeitos de galã sem nunca anular o seu desempenho em Troy, frustração cinematográfica realizada pelo mesmo homem que nos maravilhou com The NeverEnding Story. Também nada tem a ver com Kirsten Dunst, tão pura em Eternal Sunshine of the Spotless Mind e agora tão reduzida a uma miscelânea de Meg Ryan com Amélie Poulain. E, naturalmente que nada tem a ver com o romance fácil e quase simplório que se vai desenrolando ao longo de Elizabethtown.
Aquilo que me leva a escrever este texto é a forma como Cameron Crowe consegue, de uma vez por todas, trazer algo de profundamente interessante ao grande ecrã: a capacidade de sobreviver à morte.
Não é por acaso que a última palavra do filme é “life” e também não é por acaso que os personagens alcançam formas de vencer a morte: os habitantes festejam o carácter de um homem em vez de o chorarem, o filho suicida é conduzido até aos pequenos prazeres da vida e Susan Sarandon, na melhor sequência do filme, exibe-se em frente a uma plateia de idosos moralistas e de familiares que nunca a prezaram. Ao revelar segredos, ao dançar um comovente sapateado e ao aparecer, magnífica, de branco na cerimónia fúnebre do marido, Susan Sarandon está a ensinar-nos a sobreviver à morte.
E no fim, nem queremos saber de mais nada. Ansiamos por sair da sala de cinema e abraçar a vida, contentes porque superámos a morte.
P.S. Parabéns ao Mise en Abyme pelo seu centésimo post!

11 novembro 2005

Novidades sobre Stanley Kubrick


Aqui ficam dois links destinados aos seguidores mais fiéis da obra de Stanley Kubrick.
A sugestão foi dada pelo responsável deste blog, aliás grande admirador do realizador americano que morreu em 1999.

10 novembro 2005

Há planos assim - IV

No dia 10 de Fevereiro, escrevi um texto sobre a beleza indiscutível do plano de Frank Capra, em que vemos Donna Reed e James Stewart separados por um telefone em It's a Wonderful Life de 1946.
Agora, passados exactamente 9 meses, proponho que observemos o seguinte plano de Luchino Visconti.
Como verificamos, Marcello Mastroianni e Maria Schell encontram-se separados por uma carta, no filme Le Notti Bianche de 1957. Aqui, tal como em It's a Wonderful Life, o objecto cénico simboliza o terceiro elemento de um triângulo amoroso. Simples coincidência? Ou será que, 11 anos depois, Luchino Visconti decide piscar o olho a Frank Capra?

07 novembro 2005

... but not you, not anymore ...



Leitura desaconselhável para aqueles que nunca viram Saw
No último FantasPorto, os espectadores deste festival tiveram o privilégio de serem testemunhas da estreia de Saw, segunda longa-metragem de James Wan. Tendo semelhanças óbvias com filmes como o tremendo Seven de David Fincher, Cube de Vincenzo Natali e Mindhunters de Renny Harlin, talvez fosse de estranhar que Saw tenha saído da cidade invicta com o prémio de Melhor Argumento.
Como sabemos, apresentar um filme que se baseie nas paranóias macabras de um assassino não é uma iniciativa original. No entanto, este Saw, apoiado em cenários putrefactos e sombrios, revela-se uma boa surpresa. Ao contrário do que muitos escrevem, discordo que o final de Saw seja o seu melhor momento. Quanto a mim, parece-me que os primeiros dez minutos contêm grande parte da excepcionalidade deste filme. E porquê? Porque é nesses breves planos que James Wan revela todo o argumento. Começa por filmar, de forma insistente, a chave que poderia livrar Adam da morte e remata quando o mesmo Adam retira o gravador que está a ser agarrado por um corpo coberto de sangue. Uma vez que é extremamente difícil libertar um objecto de uma mão morta, a ligeireza com que o gravador desliza só poderia indicar que aquele corpo está vivo.
Posto isto, seria de esperar que todos adivinhássemos o fim. Contudo, ainda está para chegar o espectador que não se surpreenda com o final. Quer isto dizer que James Wan apresenta as respostas e, ainda assim, consegue iludir-nos durante todo o filme. Para isso, mune-se de todos os clichés do filme de “serial killers” (por exemplo, o polícia obcecado por vingança, as perseguições inúteis e a família raptada) e condimenta-os com três temperos essenciais: uma narrativa consistente, truques visuais que proporcionam celeridade e repelem a monotonia tão comum a alguns filmes deste género e gore do mais imaginativo que tenho visto.
Surgindo do cinema independente e com baixo orçamento, Saw consegue ser uma história aterradora, muito superior aos blockbusters-supostamente-assustadores que estreiam em catadupa nos nossos cinemas. A não perder!