30 setembro 2007

Londres - primeiro filme

Um dos filmes que trouxe na mala de viagem foi O Verão de Kikujiro (1999) de Takeshi Kitano, o mais japonês dos cineastas japoneses. Tinha-o lá em casa, numa espécie de lista de espera para ser visto. Nem sei por que motivo demorei tanto a vê-lo. É um excelente filme. E que excelente escolha estrutural para fazer um filme: transformá-lo num livro de imagens em que o autor é uma criança com asas de anjo.
Masao é um rapaz que vive sozinho com a avó em Tóquio. Não tem pai e só conhece a mãe através de fotografias. Numa tarde de férias, decide procurá-la sem dizer nada à avó e acaba por ser escoltado por um homem chamado Kikujiro (Takeshi Kitano). Uma excursão às corridas de bicicleta é a primeira aventura deste road movie que, como o próprio realizador refere, combina comédia e timidez. No fim, Masao e Kikujiro descobrem que têm muito mais em comum do que parecia e os espectadores aproveitam, espero que aproveitem, para reflectir sobre as relações entre personagens e sobre o conceito de Família.
(Já sabemos que a pessoa e a sociedade são formadas e estruturadas a partir da Família. Mas que Família é essa? Uma Família que nasce de uma relação estável e livre entre um homem e uma mulher, dentro da qual os filhos são gerados e educados? Ou poderá a nossa Família ser constituída por um homem que se conheceu por mero acaso e que transformou a nossa vida?)
P.S. É inevitável referir que Kikujiro era o nome do pai do próprio realizador.

28 setembro 2007

Bye Bye Portugal

E eis que vou voltar à terra cosmopolita de Sua Majestade.
Até ao meu regresso e bons filmes!

26 setembro 2007

Anatomia de Grey

Katherine Heigl
A série televisiva aborrece-me. Não gosto daquelas trocas e baldrocas e daqueles finais a pedir a lágrima ao canto do olho. Eu cá sou mais Black Adder, Fawlty Towers, 24, Seinfeld, Everybody Loves Raymond, Family Ties, Sex and the City e, claro, Carnivàle. Muito em breve, publicarei a minha apreciação sobre esta série de culto que não apresenta fim. Mas, por agora, voltando a Katherine Heigl, quero homenageá-la aqui, assim como já homenageei tantas outras actrizes novinhas e liliputianas, na esperança de que venha a dar muito* ao Cinema.
* Por exemplo, destronar a soberania de Charlize Theron cuja expressividade não é muito diferente da elegância de uma alface.

25 setembro 2007

Para o Guido Anselmi

"Talvez não saiba, mas é uma bênção podermos tornar-nos amigos dos nossos pais. Porque, se eles desaparecerem antes de compreendermos que eles são seres humanos, antes que possamos travar-nos de amizade com eles, eles manter-se-ão personagens toda a nossa vida. E, na nossa existência, haverá sempre algo que ficou por resolver."
Ingmar Bergman, em entrevista a Olivier Assayas e Stig Björkman em Março de 1990, parcialmente reproduzida no número especial dedicado pela revista Cahiers du Cinéma a Bergman e Antonioni.
Repescado daqui.

10 setembro 2007

E acabou agora...

O MOTELx disse adeus com um filme bucólico da Nova Zelândia e promete voltar para o ano.

Observação: Todos os apreciadores de Terror que não estiveram no MOTELx merecem ser devorados por ovelhas assassinas.

09 setembro 2007

Death Proof





Deixei passar o burburinho, recusei-me a ler a enchente de críticas e só ontem lá fui, calma e serena, assistir ao último filme de Tarantino. No fim, o público bateu palmas, tal e qual como num festival. E havia muitas razões para isso. Este Death Proof, a parte realizada por Quentin Tarantino do projecto Grindhouse co-assinado por Robert Rodriguez, é muitíssimo divertido e muitíssimo bem filmado. Uma farra cinéfila, poder-se-ia mesmo dizer. A mim, que tenho as minhas musas e não as consigo abandonar, comoveu-me que Death Proof também seja um hino às mulheres. E isso sabe tão bem. Não me venham com conversas sobre misoginia e machismo. Quentin Tarantino é um verdadeiro apreciador do sexo feminino. Gosta de musas transcendentes como Uma Thurman e também gosta de mulheres verdadeiras, com celulite nas coxas e gordura na barriga. É obcecado por pés mas também se detém a observar cabelos, pernas, curvas e acessórios. Contempla as mulheres, dá-lhes tempo de antena e filma-as demoradamente a falar de banalidades da mesma forma que as filma, perfeitas e violentas, a arrasar com Kurt Russell.

E quanto aos outros que escrevem sobre falta de originalidade, retalio com uma única frase: obrigada Tarantino por continuares a perder tempo com mulheres autênticas.



06 setembro 2007

E começou ontem

Foi um sucesso, um verdadeiro acontecimento cultural. 800 pessoas dirigiram-se até ao São Jorge para assistirem à sessão de abertura do MOTELx. Aqui ficam os textos que escrevi para os filmes de ontem. Espero que sirvam para vos aguçar o apetite.
Sangue sobre vermelho (2006)
Portugal, 12’, Cor

Realizador – Pedro Baptista
Personagens principais – Pai (João Urbano), Avó (Urbana Conceição Jesus), Mariana (Ana Raquel Ramos) e Caçador (António Garcia).
Fotografia – Rui Poças
Montagem – Pedro Baptista

Mariana, uma moderna Capuchinho Vermelho, vive com a avó e teme os comportamentos sombrios do pai.
Rui Poças, director de fotografia de filmes tão díspares como Odete (2005), A Cara que Mereces (2004) ou Pesadelo cor-de-rosa (1998), assina a fotografia desta curta-metragem filmada numa casa de xisto, algures na vila de Arganil.


The American Nightmare (2000)
Estados Unidos da América, 73’, Cor

Realizador – Adam Simon
Com a participação de George Romero, Wes Craven, Tom Savini, Tobe Hooper, David Cronenberg e John Carpenter.
Fotografia – Immo Horn
Montagem – Paul Carlin

Os Estados Unidos da América em 1968. O ano em que os americanos testemunharam os assassinatos de Martin Luther King e de Robert Francis Kennedy; o ano em que o povo americano continuou impossibilitado de lutar contra a matança na guerra do Vietname; o mesmo ano em que George Romero conclui Night of the Living Dead.
Os Estados Unidos da América em 1972. A fotografia de uma criança nua a fugir aterrorizada de um bombardeamento de napalm torna-se capa das principais publicações nos Estados Unidos da América e no mundo inteiro; Wes Craven apresenta The Last House on the Left.

Ao mesmo tempo que a América tentava ultrapassar uma sucessão de pesadelos que acabou por durar vinte anos, dois realizadores estreavam as suas primeiras obras cinematográficas. Jovens, rodeados por uma nação sofrida e revoltada, George Romero e Wes Craven iniciavam-se nas lides que os tornariam Mestres do Terror. E não estavam sozinhos. Aquela foi também a época de arranque para Tom Savini, actor e especialista em efeitos especiais; Tobe Hooper, realizador de The Texas Chain Saw Massacre; David Cronenberg, realizador do clássico A Mosca e John Carpenter, responsável por Halloween.

Todos eles partilhavam os Estados Unidos da guerra, da brutalidade e da inutilidade dos bombardeamentos aéreos, dos hippies contra a violência e adeptos do amor livre, do Festival de Woodstock de 1969, das insurreições estudantis, dos milhares de jovens que se negaram a servir no exército, das revoltas feministas, do discosound e do american dream do final dos anos 70 que viria a dar lugar a uma geração de yuppies.

Todos partilhavam as mesmas memórias cinematográficas, todos faziam vénias a personagens como o lobisomem e a actores como Bela Lugosi. E agora, graças a este documentário, The American Nightmare, todos eles estão ali mesmo à nossa frente, com as idiossincrasias à flor da pele. É a possibilidade, enquanto espectadores devotos, de conviver com os grandes óculos de massa de George Romero, com os olhos pequenos mas tão intensos de David Cronenberg e com a fotografia de Tom Savini em plena guerra. Mais do que isso, é a oportunidade de rever sequências de clássicos como Shivers ou Dawn of the Dead e de compreender a devastidão que cercou aqueles que, nas palavras de Tom Savini, sempre gostaram de assustar os outros e que acabaram por viver as mais reais e assustadoras situações. Aqueles que, muito provavelmente, escolheram o Cinema de Terror para reflectir sobre o seu próprio medo.

04 setembro 2007

Orgulho em ser portuguesa - IV

...

Orgulho em ser portuguesa - III

O Milagre segundo Salomé (2004)

Orgulho em ser portuguesa - II


A Costa dos Murmúrios (2004)
Noite Escura (2004)
Alice (2005)

Orgulho em ser portuguesa - I

A Passagem da Noite (2003)

Paul Celan

Fuga da morte

Leite negro da madrugada bebemo-lo ao entardecer
bebemo-lo ao meio-dia e pela manhã bebemo-lo de noite
bebemos e bebemos
cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
escreve e põe-se à porta da casa e as estrelas brilham
assobia e vêm os seus cães
assobia e saem os seus judeus manda abrir uma vala na terra
ordena-nos agora toquem para começar a dança

Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
Os teus cabelos de cinza Sulamith cavamos um túmulo nos ares
aí não ficamos apertados

Ele grita cavem mais fundo no reino da terra vocês aí e vocês
outros cantem e toquem
leva a mão ao ferro que traz à cintura balança-o azuis são os seus
olhos
enterrem as pás mais fundo vocês aí e vocês outros continuem
a tocar para a dança

Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia e pela manhã bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith ele brinca com as serpentes

E grita toquem mais doce a música da morte a morte é um mestre
que veio da Alemanha
grita arranquem tons mais escuros dos violinos depois feitos fumo
subireis aos céus
e tereis um túmulo nas nuvens aí não ficamos apertados

Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia a morte é um mestre que veio da Alemanha
bebemos-te ao entardecer e pela manhã bebemos e bebemos
a morte é um mestre que veio da Alemanha azuis são os teus olhos
atinge-te com bala de chumbo acerta-te em cheio
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
atiça contra nós os seus cães oferece-nos um túmulo nos ares
brinca com as serpentes e sonha a morte é um mestre que veio
da Alemanha

os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith

Paul Celan, Sete rosas mais tarde, Cotovia, 2006
Tradução de João Barrento