04 setembro 2007

Paul Celan

Fuga da morte

Leite negro da madrugada bebemo-lo ao entardecer
bebemo-lo ao meio-dia e pela manhã bebemo-lo de noite
bebemos e bebemos
cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
escreve e põe-se à porta da casa e as estrelas brilham
assobia e vêm os seus cães
assobia e saem os seus judeus manda abrir uma vala na terra
ordena-nos agora toquem para começar a dança

Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
Os teus cabelos de cinza Sulamith cavamos um túmulo nos ares
aí não ficamos apertados

Ele grita cavem mais fundo no reino da terra vocês aí e vocês
outros cantem e toquem
leva a mão ao ferro que traz à cintura balança-o azuis são os seus
olhos
enterrem as pás mais fundo vocês aí e vocês outros continuem
a tocar para a dança

Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia e pela manhã bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith ele brinca com as serpentes

E grita toquem mais doce a música da morte a morte é um mestre
que veio da Alemanha
grita arranquem tons mais escuros dos violinos depois feitos fumo
subireis aos céus
e tereis um túmulo nas nuvens aí não ficamos apertados

Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia a morte é um mestre que veio da Alemanha
bebemos-te ao entardecer e pela manhã bebemos e bebemos
a morte é um mestre que veio da Alemanha azuis são os teus olhos
atinge-te com bala de chumbo acerta-te em cheio
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
atiça contra nós os seus cães oferece-nos um túmulo nos ares
brinca com as serpentes e sonha a morte é um mestre que veio
da Alemanha

os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith

Paul Celan, Sete rosas mais tarde, Cotovia, 2006
Tradução de João Barrento

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