26 fevereiro 2005

The Only Living Boy in Newark


O que acaba por nos definir enquanto pessoas? O nosso cinema forma-se essencialmente pela nossa memória, momentos que nos marcam, que nos condicionam, ou que nos libertam durante a nossa vida, certas imagens que revivemos durante dias e noites. Qualitativamente, podemos compará-lo a um fantasma, uma projecção constante que se aproxima de uma noção hipotética de identidade, no que há de mais profundo em cada um de nós.
É o nosso próprio cinema que alimenta a nossa primeira necessidade enquanto humanos - o encontro do nosso lugar. Tanto através de uma pessoa, uma mãe, um disco, uma música, ou num quarto, procuramos sempre esse equilíbrio que nos condiciona positivamente um destino, algo que nos faça esquecer o que há mais de morto dentro de nós, e nos acorde tudo o que anseia por viver.
A esse equilíbrio, que para sempre desejaremos, poderemos chamar "casa". É esta a palavra que transmite o nosso desejo de tranquilidade e de identificação a algo que nos resuma a uma noção plena de paz e de originalidade que nos identifique. E a esta palavra ambígua se resume a nossa luta enquanto pessoas. O conflito entre uma natureza inevitavelmente deslocada e uma procura de pertença a algo ao qual nos podemos agarrar, uma correspondência também humana em si com a qual nos podemos abrir, partilhar, e viver.
E o que surge quando tudo o que nos parecia resumir a um local se parece deslocar de tudo o que acreditavamos (ou acreditamos) fazer parte de uma nossa verdade, de um pensamento, ou de uma memória que nos formava enquanto humanos? Um local que não é apenas uma rua, uma casa, mas um conjunto de pessoas, de diálogos, de pensamentos. De que vale o refúgio para uma nova artificialidade, uma mentira constante, medicada e "inocente"? Contra isto gritam as personagens, humanas como são, perante o infinito do precipício, com o qual o "guardião" já está familiarizado, e feliz.
E desta maneira surgem pequenas coisas que se tornam essenciais para nós, e que acabam por mudar a nossa vida. Assim como na cena em que as duas personagens principais se conhecem - "listen to this song, it'll change your life".
Por estes motivos crescem obras como Garden State, do Estado de New Jersey. E por esses desejaremos todos viver, inspirarmo-nos em cada momento, e encontrarmos, tal como todas as grandes obras, o nosso lugar.

24 fevereiro 2005

Arte em Veneza


Escrever sobre Morte a Venezia de Luchino Visconti é escrever sobre o cinema num dos seus estados mais puros - numa obra socrática sobre a arte, o artista, e o Homem dentro deste, nasce o movimento apaixonadamente subtil de Visconti, envolto num sentimento de riqueza e de pureza raro no cinema. O seu realismo, no detalhe das salas, das roupas, das jóias, na riqueza dos olhares que nos dizem tudo, nos momentos fantásticos de flashback e nas suas paisagens maravilhosas, é algo que acaba por desenvolver um sentimento fortíssimo de paixão na filmagem. Na história de um músico (diferença em relação ao livro) que parece ter perdido toda a sua paixão e sentimento, algo que este condena como deturpador da ciência construtiva artística (o ataque aos sentidos, em favor da "dignidade humana"), cada pormenor único de Visconti acaba por carregar a angústia da personagem, nos seus momentos de fraqueza, nos seus pensamentos, e no seu belo e fatal prazer. É um artista isolado de sentido de vida e de criação, doente de espírito e decadente, fatalmente perdido num deslumbramento eterno juvenil.
Somos também levados pela magnífica música de Mahler (elemento central do filme), ela própria confundindo-se com a respiração do filme - é um veículo perfeito não só para o tom deste, mas para a sua memória e todas as suas implicações internas, acentuando a sua transcendência e sublinhando a sua perfeição.
Após esta obra e os seus fabulosos planos finais, que mais dizer senão a resposta que Visconti parece dar-nos a uma das possíveis questões centrais do seu filme, inserida num dos seus próprios (e naturalmente poucos) diálogos - será a Beleza algo que se pode construir artisticamente, pela paixão, pelo amor a alguém ou a algo, negando a sua condição de pré-existência a qualquer acto de criação? O filme em si é a resposta final, e para nossa satisfação final, tal como para Gustav von Aschenbach, em Veneza, e para Visconti, num filme de perdição.

21 fevereiro 2005

Verdade e Mentira

O teatro e o cinema, enquanto formas de arte que exploram a representação, jogam claramente com a mentira e com a verdade. No entanto, esse "jogo" nunca se realiza como algo de natureza maniqueísta - a verdade não está num extremo e a mentira noutro. Na realidade, verdade e mentira confundem-se, perdem identidade e transformam-se naquilo que vemos em palco ou no grande ecrã.
Lembremo-nos de Tartuffe, obra realizada por F. W. Murnau, que explora a ideia de interrogação sobre a verdade. Há uma governanta desleal, um avô enganado e um neto bem intencionado. Para demonstrar a verdade dos factos ao avô, o jovem neto encena todo um teatro em que se faz passar por projectador de películas. Aqui, de uma forma bastante óbvia, conseguimos perceber a que se refere Rivette quando fala de "meios forçosamente mentirosos" para atingir a verdade.
Pensando em películas mais recentes, nas quais voltamos a encontrar o tema da representação, ocorre-nos All About Eve de Joseph Mankiewicz e Todo sobre mi madre de Pedro Almodóvar. O primeiro desenrola-se no meio teatral onde a mentira é o meio para atingir a fama e os aplausos. Desta forma, temos um objecto cultural que se desenvolve tendo por base vários níveis de representação ou, se quisermos, de mentira. Bette Davis finge ser Margo Channing, Eve Harrington finge ser uma doce e ingénua actriz e nós, numa última instância, fingimos que estamos envolvidos na narração do filme.
Por outro lado, na película espanhola, a mentira não pretende atingir o estrelato. Mais do que isso, a mentira confunde-se e contribui para a autenticidade. Todas as personagens femininas ocultam e disfarçam aspectos da sua vida como forma de se protegerem e de protegerem os outros.
Assim, podemos concluir que o tema da mentira pode ser o tema de um filme. No entanto, numa visão mais alargada, constatamos que não é necessário que o argumento inclua personagens mentirosas para que estejamos na presença da Mentira. O próprio espectáculo de teatro ou de cinema é construído com base nesta. Os actores representam e encarnam uma personalidade que não é a deles, os cenários pretendem parecer algo que não são e, mais propriamente no cinema, as cenas sem sequer são filmadas de forma contínua.
Assim, se aceitarmos a noção de que a mentira e o teatro estão relacionados, somos levados a concordar com a ideia de que todos os filmes são sobre essa relação mesmo que não insiram uma peça de teatro na sua acção e mesmo que todas as personagens falem verdade.
Como forma de conclusão, podemos apenas referir que o teatro, arte que vem desde a Antiguidade Clássica, influenciou a sétima arte mas não impediu que esta se transformasse numa forma artística autónoma, independente e que permitiu e permite novas perspectivas.

20 fevereiro 2005

À vossa espera no clube de vídeo





Saiam de casa. Dirijam-se ao vosso clube de vídeo. Procurem este filme. Vejam-no. Comovam-se. Revejam-no. Já pertencem ao grupo de privilegiados que assistiu à amizade mirabolante entre um carteiro apaixonado pelo mundo e um dos maiores poetas do nosso tempo.

17 fevereiro 2005

Choro e rio. Rio e choro.



Há realizadores que, ao manipularem os sentimentos da assistência, transformam esse processo de manipulação numa espécie de imagem de marca do seu cinema. No meio cinéfilo actual, podemos escolher Pedro Almodóvar para ocupar a posição de “realizador-manipulador” por excelência. Recuando no tempo até aos melodramas Todo sobre mi madre e Hable con ella, notamos que as suas personagens conseguem a proeza de fazer com que o público alterne, quase metodicamente, entre gargalhadas e lágrimas. Desta forma, qualquer espectador, desde o mais sensível até ao mais imperturbável, acaba por embarcar num autêntico merry-go-round de sensações incontroláveis.
Se quiséssemos listar os efeitos práticos destas películas, teríamos de mencionar a manipulação sentimental levada a cabo por Almodóvar. O realizador espanhol chega a determinar quando devemos sucumbir à desgraça de uma personagem ou quando devemos aprovar a existência de um comic relief. Não há ninguém que possa negar o facto de ser uma vítima voluntária no cinema repleto de cores deste criador. Ou será que haverá alguém que, ao ver os filmes acima referidos, não sofra e não ria como se estivesse a reviver episódios da sua própria vida?

14 fevereiro 2005

Proposta de discussão - II



Agora que já pude ver O Quinto Império - Ontem como Hoje, proponho que iniciemos uma discussão acerca do seu valor. Em primeiro lugar, parece-me que um filme, praticamente sem movimentos de câmara, necessitava de um protagonista capaz de envolver o espectador até aos limites da hipnose. Perdoem-me os seus apoiantes mas Ricardo Trepa, inexpressivo e teso, não o consegue minimamente. Foi uma fraca escolha e isso sobressai de uma forma indiscutível quando o vemos a contracenar com grandes actores como Ruy de Carvalho, Luís Miguel Cintra e Miguel Guilherme.
Porém, se nos abstrairmos da personagem principal e optarmos por mergulhar no cinema de Oliveira, ficaremos infinitamente gratos pela música de Carlos Paredes e pelo contraste, sabiamente doseado, entre claridade e escuridão.
Aguardo pelos vossos pareceres. Não deixem de participar!

10 fevereiro 2005

Há planos assim - II



Imaginem um homem que, por ser demasiado bondoso, está constantemente a desperdiçar oportunidades de singrar na vida. Um dia, esse mesmo homem perde a coragem e opta por nunca ter nascido. Então, põe-se a observar o dia-a-dia de todas as pessoas que faziam parte do seu mundo e apercebe-se da enorme importância que tem na vida de todos eles. História comovente, não é? Acabaram de conhecer George Bailey, o protagonista de It´s a Wonderful Life.
Quando Frank Capra pegou em James Stewart para interpretar George, já previa um tremendo sucesso. Aliás, mais do que isso, Frank Capra sempre confiou no enredo de It´s a Wonderful Life e referia-se a ele como “the greatest film I have ever made.” Passados 59 anos da sua estreia, cá estamos a recordar aquele que pode ser considerado o filme natalício por excelência.
Parece impossível escrever sobre a aura de magia e de beleza que envolve esta película. Por isso, convido-vos a observarem o plano escolhido. Sobre ele, escreveu o nosso maior comentador de cinema “ o telefonema a três e o beijo a dois (a câmara sem se mexer, num dos mais prodigiosos planos que alguma vez alguém assinou) ”. São palavras de João Bénard da Costa e podem ser encaradas como uma tentativa de traduzir aquilo que é intraduzível. Olhando para a imagem, e mesmo sem conhecendo o filme, deixamo-nos conquistar pela expressão de Donna Reed, pela compenetração extasiada de James Stewart e pela certeza de que há algo de muito forte a uni-los. Depois, como se fosse um elemento secundário, apercebemo-nos da existência do telefone. Um objecto cénico, tão vulgar como tantos outros, que alcança um valor simbólico único. As personagens partilham um mesmo espaço físico, estão perto uma da outra e, no entanto, encontram-se divididas por um telefone. A voz que sai do aparelho tenta separá-las mas a vontade de estarem juntas é superior. O olhar dele é elucidativo e a desejo dela é esclarecedor: nasceram para estar perto um do outro, aconteça o que acontecer.
Quando um realizador faz um filme, não está só a criar um mundo de cenários e de personagens. Está a dialogar com o público que o vê e está a exprimir aquilo que há dentro de si. Por isso, quando observamos planos como este, devemos estar cientes de que a sua função não se extingue na tarefa de construir um clássico. Bem mais do que isso, planos como este vão construindo a nossa memória pessoal e vão permitindo que, de alguma forma, nos aproximemos da mente de grandes realizadores como Frank Capra.

07 fevereiro 2005

O génio de Buster Keaton



Por cima de prédios, de escadote em escadote, voando por tempestades, de janela em janela, ou levando tudo às cavalitas, o cinema de Keaton espalha-se por todo o lado. É ele quem rende a esta arte a sua dimensão maquinista, elevando o cinema e a sua própria personagem a algo para além dos limites tradicionais narrativos - um burlesco de constante agitação, mas extremamente realista. Por todos os acidentes, pernas ou braços partidos, vale tudo para a realização concreta dos seus objectivos, tanto dentro do ecrã ou fora dele. Aliás, onde se colocam estes? Em Sherlock Jr., Buster Keaton assina uma das cenas mais memoráveis de toda a História do cinema, ao inromper pela sua própria narrativa, num sonho "paralelo" (ou não), ultrapassando a sua própria personagem, e entrando no ecrã da sua própria sala de cinema, saltando de acção para acção, de situação para situação.
Cada plano de Keaton é directo, mas rico - no seu enquadramento milimétrico, na riqueza do seu contexto, dos seus objectos, dos seus "efeitos especiais". O permanente sublinhar de uma dimensão utilitarista do seu cinema afinal não serve para reduzir o Homem a um centro de todo um conjunto de máquinas, mas para elevá-lo a algo que, ultrapassando todos os gags (pois o cinema de Keaton também é um de "ultrapassagem"), se pode definir, com atrevimento, como uma espécie de novo Deus (qualitativamente). Assim é Keaton, ultrapassando-se sempre a si próprio.
Mais que pelo seu atrevimento, Buster Keaton estabelece-se no ecrã pela sua coragem, algo que nos escapa como espectador, pois tudo cai no seu lugar, guardando-se ao mesmo tempo uma sensação genial de imprevisibilidade, precisão e detalhe - algo que estaria também em Tati.
Imprevisível, genial, corajoso, atrevido, consciente, ou louco. Assim se mostra Keaton, nunca como uma personagem (Charlot), mas como todo um cinema, muito à frente do seu tempo. Um "Godard do seu tempo", ou um "Rossellini do burlesco". Ou antes de tudo isso, Buster Keaton.

06 fevereiro 2005

Onde estás David Fincher?



Apesar de curta, a carreira de David Fincher está marcada por momentos de grande talento. Obras como Alien, Se7en, The Game ou Fight Club influenciaram inúmeros espectadores e transformaram-se em objectos de culto. Brutalmente violentas do ponto de vista físico e psicológico, as suas películas têm-se destacado pela capacidade de apresentar reviravoltas portentosas e memoráveis.
Fight Club, marco incontestável na carreira de David Fincher, reuniu Edward Norton, Brad Pitt e Helena Bonham Carter num argumento que piscava o olho a questões filosóficas e a problemáticas actuais. As personagens, relacionadas de forma engenhosa e interpretadas notavelmente, moviam-se em antros soturnos e exteriorizavam a violência como forma de dar sentido às suas vidas. A sequência final, ainda mais célebre do que o desempenho de Meat Loaf, revelou-se uma metáfora apocalíptica em que saboreámos o tema “Where is my mind?” dos Pixies como nunca antes tinha sido possível.
Contudo, nos tempos que correm, David Fincher parece ter optado por uma vida profissional quase nula. Depois de Jodie Foster não ter conseguido salvar a honra de Panic Room, há uma multidão inquieta que espera pelo regresso do realizador. Correm boatos de que este se encontra em negociações para filmar um thriller, intitulado Zodiac, que narrará a vida de um assassino que nunca foi apanhado pela polícia. Assim sendo, oremos para que Zodiac não inclua a banalidade e previsibilidade de Panic Room e para que se transforme num sucesso digno de constar da lista de filmes de David Fincher.

03 fevereiro 2005

Faltam 18 dias!



De 21 de Fevereiro a 7 de Março, todos os caminhos deverão rumar à cidade do Porto, mais especificamente ao Rivoli. Não há justificações para faltar às bodas de prata do maior evento cultural organizado no nosso país. Este ano, o FantasPorto conta com a habitual qualidade fílmica, com a exibição de retrospectivas, com a presença de inúmeras celebridades do meio cinéfilo e com a realização de concertos, colóquios, apresentações e debates.
Para mais informações, consultem http://www.fantasporto.com/
Encontramo-nos lá!

02 fevereiro 2005

Há planos assim

Já sabíamos que Woody Allen era um grande admirador de Ingmar Bergman. Lembramo-nos dele em Manhattan a passear pela rua e a afirmar convictamente “ - Bergman? Bergman is the only genius in cinema today, I think.“ Por isso, quando observamos esta imagem de Annie Hall, não nos espantamos com o facto de o realizador americano ter incluído, num mesmo plano, a sua pessoa, Diane Keaton, Liv Ullmann e Ingmar Bergman. Palavras para quê? Estamos na presença de quatro personalidades ou, se preferirem, de dois pares prodigiosos.
Olhemos novamente para a imagem. O cabelo comprido de Diane Keaton remete-nos para a personagem Annie Hall e para tudo aquilo que a caracteriza: o adorável “la di da”, o sentido de humor tão particular, as roupas excêntricas, a vontade de fazer cursos intelectuais e a paciência para aturar o depressivo Alvy Singer. De uma forma redutora mas eficaz, poderíamos resumi-la em duas palavras: encanto e originalidade.
Voltemos a apreciar o plano. Mais do que um momento único, mais do que uma homenagem ao cinema de Bergman e mais do que uma prova da inimitabilidade de Annie Hall, estamos na presença de um tributo ao amor que, em tempos passados, uniu Woody a Diane e Ingmar a Liv. Aliás, tendo em conta que o cinema sempre se alimentou de sentimentos, reais ou fictícios, parece-me que este é um tributo mais do que merecido.

01 fevereiro 2005

"New York Herald Tribune..."



À bout de souffle: um título, um filme, um estado de alma. A obra cinéfila por excelência prima pela consciência do (seu) próprio cinema e da necessidade de ruptura com este mesmo - assim surge o primeiro filme da "primeira geração a saber que Griffith tinha existido", como afirma Jean-Luc Godard.
No filme que quebra todas as convenções e limites, recoloca-se o cinema no local que se exigia por este grupo de indivíduos - nasce a militância do cinema, a Nouvelle Vague francesa, o tão esperado estabelecimento final do cinema enquanto arte, retrato possível não da vida como existia, mas do que ela poderia ser.
Esta obra é um dos pontos que não só marca um período específico da História do cinema, mas a formação de toda uma filosofia de autor e de criação artística. O realizador, ou "metteur en scène", é como um escritor, um escultor ou um pintor, tal como os cartazes de Renoir, Picasso, os livros de Dylan Thomas, William Faulkner, ou ainda os discos de Bach são criações dos seus próprios autores (assim se pode pensar no fabuloso plano do beijo entre Michel e Patricia no seu quarto como uma menção belíssima a Rodin).
Este filme de referências, que também as destrói, não deixa de ser um de homenagem ao cinema - ao que ele foi, e ao que ele deve ser. Criador de uma doce originalidade, presente em cada plano, em cada "jump-cut", é aqui que Godard dedica a sua obra à Hollywood da série B, do culto (Bogart), dos carros, ou do sotaque americano de Jean Seberg, numa Paris jovem e excitante, um (novo) clássico na busca do moderno ("Monsieur, vous n'avez rien contre la jeunesse ?" "Si, j'aime bien les vieux!").
Este é um cinema que perde a sua inocência numa obra tanto militante (dos "Cahiers") como existencialista, pela sua forma e pelo seu novo diálogo, que quase funciona por slogans. É o cinema numa das suas valorizações artísticas mais essenciais - na sua montagem, no cinema-sonoro, no novo herói-patife do qual o espectador é dependente (que nos diz directamente: "si vouz n'aimez pas la mer, si vous n'aimez pas la montagne, si vous n'aimez pas la campagne, allez vous faire foutre!") - e, já agora, o mais cool, ou o primeiro. Não fosse este um filme de uma geração para todas as seguintes.
E assim nos encontramos, à bout de souffle. Tal como a vida deveria ser, cheia de charme e imprevisível. "Vivre dangeureusement jusqu'au bout!"