Por cima de prédios, de escadote em escadote, voando por tempestades, de janela em janela, ou levando tudo às cavalitas, o cinema de Keaton espalha-se por todo o lado. É ele quem rende a esta arte a sua dimensão maquinista, elevando o cinema e a sua própria personagem a algo para além dos limites tradicionais narrativos - um burlesco de constante agitação, mas extremamente realista. Por todos os acidentes, pernas ou braços partidos, vale tudo para a realização concreta dos seus objectivos, tanto dentro do ecrã ou fora dele. Aliás, onde se colocam estes? Em Sherlock Jr., Buster Keaton assina uma das cenas mais memoráveis de toda a História do cinema, ao inromper pela sua própria narrativa, num sonho "paralelo" (ou não), ultrapassando a sua própria personagem, e entrando no ecrã da sua própria sala de cinema, saltando de acção para acção, de situação para situação.
Cada plano de Keaton é directo, mas rico - no seu enquadramento milimétrico, na riqueza do seu contexto, dos seus objectos, dos seus "efeitos especiais". O permanente sublinhar de uma dimensão utilitarista do seu cinema afinal não serve para reduzir o Homem a um centro de todo um conjunto de máquinas, mas para elevá-lo a algo que, ultrapassando todos os gags (pois o cinema de Keaton também é um de "ultrapassagem"), se pode definir, com atrevimento, como uma espécie de novo Deus (qualitativamente). Assim é Keaton, ultrapassando-se sempre a si próprio.
Mais que pelo seu atrevimento, Buster Keaton estabelece-se no ecrã pela sua coragem, algo que nos escapa como espectador, pois tudo cai no seu lugar, guardando-se ao mesmo tempo uma sensação genial de imprevisibilidade, precisão e detalhe - algo que estaria também em Tati.
Imprevisível, genial, corajoso, atrevido, consciente, ou louco. Assim se mostra Keaton, nunca como uma personagem (Charlot), mas como todo um cinema, muito à frente do seu tempo. Um "Godard do seu tempo", ou um "Rossellini do burlesco". Ou antes de tudo isso, Buster Keaton.
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