23 maio 2011

Um casal verdadeiramente adorável

.

.
Marion Cotillard & Guillaume Canet

Uma semana que começa

.
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir a tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te porque parto
por que amo
ouvir-te perguntar quem fala?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr pela rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
como quando me tocaste a testa e eu não pude reconhecer-te
apesar de tudo senti a mão sabia que era a tua mão
mas não podia reconhecer-te
sim
correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses
mesmo que nem me olhasses
mesmo que dissesses coisas que me
mesmo que
e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me
.
Al Berto
.
Emprestado daqui.

13 maio 2011

09 maio 2011

03 maio 2011

Uma revelação

.
Das horas que diluímos no sangue
eu fiz tão pouco, mas tu compuseste canções fáceis,
dessas que se escutam quando se sai do banho,
e se algumas hão-de morrer na MTV,
outras vão aparecer no genérico de telenovelas
e mais tarde serão imortalizadas entre os teus greatest hits.
Vais dar uma série de entrevistas e falar de tudo
menos de mim. Eu vou acabar os meus dias a destilar ódios
e a dizer mal de ti a todos os que me quiserem ouvir.
Vou seguir as estrelas menos apagadas
deste último lugar e mudar de cor tantas vezes
até embranquecer de desgosto.
.
Por estes dias faço questão de arrastar os pés
nos pulsos da solidão, acendo-me contra
o teu conto de fadas, as tuas empregadas domésticas
mal pagas, saltando à corda no teu jardim. Não suporto
essa alegria arrumada aos dias, a agitação
de deuses que vêm por aí e te cobrem a pele,
os relvados, abrindo toalhas, fazendo piqueniques
e tricotando ilusões ao ar livre. Não sabes
como detesto todos os cisnes tranquilos
na superfície do teu lago – agarro-os um por um à socapa
e trago-os até à cozinha onde primeiro lhes puxo as penas,
degolando-os a seguir.
.
Numa hora a mão direita deita-se e delira,
apertando contra a página uma sombra que
silenciosamente tentava escapar-se. Na hora seguinte
arranco uma costela, vejo-a transformar-se nesse belo
monstro inspirado em ti, os dois olhos como pedras
atiradas ao escuro e esse teu fascínio
com coisas que me cansei de procurar.
.
Puta de geração esta em que nasci!
Acostumei-me a tocar-te no ecrã e a envelhecer
de repente. Abro a mão esquerda e largo
um guloso beija-flor no teu pescoço, para que a sua fome
te fure durante o sono e acordes gasta, mole
e sem o sorriso absurdo que pões em frente ao espelho.
Estou cada vez mais só, mais seco, mais bruto.
Começas a cantar e eu ensurdeço. Descobri que nunca
tive voz para os teus musicais, que o máximo que sei
é aumentar o som e dar um ritmo violento ao meu choro,
saindo debaixo do teu refrão
solto como um saxofone endiabrado.
.
Sento-me à noite na mesa onde tu tomas o pequeno-almoço
e ao contrário dos teus exercícios para aclarar a garganta,
sofro de uma tosse suja de pequenas vertigens, nada digno
de nota. Tenho apenas esta cabeça aguda
como um semáforo a abrir e a fechar-se
ao fundo da tua rua. Anoto a matrícula dos carros
que passam, procuro um padrão,
algum indício ou promessa, qualquer corpo
sem rotina ou simplesmente um movimento fora do normal.
Mas não acontece nada. Não vem mais ninguém. Traíste-nos a todos.
.
Diogo Vaz Pinto, Nervo

E um dia, pela manhã

.
"Bergman explica a uma jovem actriz a razão pela qual não vão repetir uma cena. Ela acha que podia fazer melhor. Ele, Bergman, acha que é suficiente. A hierarquia, no sentido vertical e ascendente, tende a esquecer porquês e esvaziar explicações. Porquê? Porque sim. Ele, oitenta e quatro anos e longuíssima carreira no cinema, explica a uma muito jovem “Karin” que, se repetidas as cenas, até ao cansaço, na busca de uma desejada perfeição, as emoções nelas contidas artificializam-se, perdem-se. Se repetires uma coisa muitas vezes crias uma fórmula. Esqueces-te da razão por que a dizes, do sentimento que juntou as sílabas, aplicas, para resolver a equação do fim do telefonema, do fim da conversa no café, da despedida matinal, a fórmula que um dia já foi palavra. A tua palavra. Agora fórmula. Se repetires uma coisa muitas vezes crias uma fórmula. Não queiras ouvir todos os dias o verbo amar. Bergman explica a “Karin” que se repetirem demasiadas vezes a cena da cozinha as emoções perdem-se. Não vale a pena buscar a perfeição se esta te custar a emoção original. Mas, à cautela, diz: “se te diverte podemos repetir”. Ela confia. Não repetem a cena."


Roubado daqui.