29 dezembro 2005

Quando a comédia atinge a perfeição

" Osgood: I called Mama. She was so happy she cried. She wants you to have her wedding gown. It's white lace.
Daphne: Yeah, Osgood. I can't get married in your mother's dress. Ha ha. That-she and I, we are not built the same way.
Osgood: We can have it altered.
Daphne: Aw no you don't! Osgood, I'm gonna level with you. We can't get married at all.
Osgood: Why not?
Daphne: Well, in the first place, I'm not a natural blonde.
Osgood: Doesn't matter.
Daphne: I smoke. I smoke all the time.
Osgood: I don't care.
Daphne: Well, I have a terrible past. For three years now, I've been living with a saxophone player.
Osgood: I forgive you.
Daphne: I can never have children.
Osgood: We can adopt some.
Jerry-Daphne: But you don't understand, Osgood. Uh, I'm a man.
Osgood: Well, nobody's perfect. "
Some Like It Hot, 1959

28 dezembro 2005

O carnal em Kubrick



Reconhecido pelo perfeccionismo e pela criatividade que confere aos filmes, Stanley Kubrick será igualmente relembrado pela carnalidade das suas obras.
No princípio da década de 60, Kubrick sujeitou-nos à promiscuidade assumida de uma Lolita de apenas 12 anos, recuperada através das páginas de Vladimir Nabokov. Depois de Lolita, cerrámos os olhos face à sexualidade violenta de A Clockwork Orange. As notas de Beethoven a funcionarem como um hino à libertação física e sexual.
Anos depois, em 1975, ficámos extasiados com Barry Lyndon. Obra-prima pontuada pela aguda ironia com que o narrador nos vai contando as proezas e os fracassos do protagonista. Começando por ser um jovem ingénuo, Barry Lyndon vai multiplicando os seus encantos. De cenário em cenário, a câmara de Kubrick filmou-o a seduzir e a saborear mulheres.
Já na década de 80, chegou-nos The Shining, épico de terror. Mais uma vez, a câmara de Kubrick rompeu convenções, entrou numa casa-de-banho e filmou a tensão física entre Jack Nicholson e uma bela mulher que se transforma num ser horrendo. 19 anos depois, recebemos a notícia da morte do realizador e a estreia de Eyes Wide Shut, o mais incompreendido dos filmes de Kubrick. Aqui, a infidelidade conjugal oscilou entre os limites do real e do imaginário.
Durante mais de quarenta anos, a genialidade de Kubrick também se deteve nas fraquezas e nas atracções entre homens e mulheres. Agora, quase a chegarmos ao fim de 2005, o Mise en Abyme homenageia novamente um dos maiores realizadores de sempre.

24 dezembro 2005

Há planos assim - VI






Fragmentos da mais recente obra-prima de Tim Burton (e o Dellamorte Dellamore de Michele Soavi anda tão perto...)

20 dezembro 2005

Prémios Lumière 2006


Atenção a todos os cinéfilos!
Os Prémios Lumière regressaram!
O Mise en Abyme tem o prazer de agradecer ao responsável pelo blog Hollywood o convite para participar como júri na segunda edição dos Prémios Lumière.
A lista de vencedores será publicada em simultâneo por todos os blogs participantes e conterá títulos que tenham estreado ao longo do ano de 2005.
Aguardem novidades!

Categorias
Melhor Filme
Melhor Realizador
Melhor Argumento
Melhor Actor
Melhor Actriz
Melhor Actor Secundário
Melhor Actriz Secundária
Jovem Promessa Masculina
Jovem Promessa Feminina
Melhor Filme Animado
Melhor Banda Sonora
Melhor Fotografia
Melhor Montagem

14 dezembro 2005

Formas de encontro no Vietname



Numa primeira análise, a obra Apocalypse Now de Francis Ford Coppola pode ser descrita como uma narrativa de viagem. No início, observamos a intimidade do capitão Willard em Saigão. Momentos depois, vemo-lo a ser transportado até aos Serviços Secretos de Nha Trang e, ao longo do filme, somos testemunhas da sua viagem pelo rio Nung num barco de patrulha da Marinha. De sequência em sequência, apercebemo-nos de que esta subida pelo rio é uma viagem através do inferno, da miséria, da injustiça, da loucura, do absurdo, da destruição, da mentira, do erro, do ódio e do horror.
Se recordarmos as palavras do General dos Serviços Secretos, “Todos os homens têm um ponto de ruptura, incluindo nós os dois. O Walt Kurtz atingiu o dele e enlouqueceu.”, compreendemos que a viagem de Apocalypse Now tem como destino este ponto de ruptura, ou seja, o encontro com o pior de nós mesmos. Assim, numa análise mais atenta, podemos descrever Apocalypse Now como um filme em que a noção de encontro adquire uma importância simbólica equivalente à noção de viagem.
O primeiro encontro entre Willard e Kurtz acontece durante o almoço em Nha Trang. Aqui, o capitão observa a fotografia do general, apercebe-se das enormes qualidades deste e ouve a sua voz através de gravações. Esta sequência, para além de estabelecer a primeira ligação entre os dois homens, permite que o espectador pressinta a importância da voz ao longo da película. No que toca à análise desta capacidade humana, destacaremos três vozes distintas: a do narrador, a da mãe de Clean e a de Kurtz.
Por um lado, os monólogos interiores do narrador, proferidos por um “eu” atormentado por dúvidas, acompanham todo o filme e funcionam como uma forma de nos aproximarmos de Willard e de o compreendermos. Por outro lado, a voz da mãe de Clean, que ouvimos uma única vez por altura do assassínio do filho, é paradigmática da guerra do Vietname. Toda a cena da morte de Clean possui uma enorme carga dramática que se adensa à medida que ouvimos a voz bondosa da mãe a falar do regresso do filho, do futuro deste e do presente que lhe vão oferecer. No entanto, não ficamos indiferentes ao contra-senso e ao absurdo que sobressaem deste episódio. Da mesma maneira que padecemos com a impressão de que não faz sentido que a voz da mãe se continue a ouvir à medida que o sangue de Clean se vai espalhando pelo barco, também sofremos com a sensação de que toda a guerra do Vietname é disparatada e não tem qualquer objectivo lógico.
Por último, analisemos a voz de Kurtz que possui um efeito quase hipnotizador em todas as personagens de Apocalypse Now. Os exemplos mais evidentes desta capacidade de provocar fascínio encontram-se nas afirmações do fotógrafo excêntrico (“Não se fala com o coronel… Ouvimo-lo.”, “Ele lê poesia alto. E tem uma voz, uma voz…”) e nas de Willard (“Tinha ouvido a voz dele na cassete e fiquei curioso, mas não conseguia ligar aquela voz a este homem.”).
A voz de Kurtz afirma-se desde os primeiros momentos do filme ao opor-se contra falsos valores e ao declarar-se contra qualquer mentira inventada pelos americanos para viverem com a consciência tranquila: “ E chamam-me assassino. Como se diz, quando os assassinos acusam o assassino? Mentimos. Mentimos e temos de ser piedosos para com os mentirosos. Esses poderosos… Odeio-os. Odeio-os.” / “Estou fora do alcance da tímida e enganosa moralidade deles e, por isso, não me preocupo.”
Paralelamente a isto, esta voz também surge em alguns dos momentos principais do filme. Quando se dá o primeiro encontro entre Willard e Kurtz, ouvimos a voz do coronel antes de visualizarmos o seu corpo. No momento em que o capitão se prepara para assassinar Kurtz, reparamos que o coronel se encontra a gravar a sua voz e, no fim do filme, no fim de tudo, é a voz de Kurtz que se ouve a sussurrar “O Horror… O Horror”.

Retomando a importância simbólica da noção de encontro, é no interior do barco que Willard, ao estudar o seu dossier, estabelece o segundo encontro impessoal com Kurtz. De documento em documento e de fotografia em fotografia, Willard ingressa num processo que pode ser descrito em três fases: a fase do conhecimento, a fase da identificação progressiva e a fase da assimilação entre Willard e Kurtz.
A primeira fase desenrola-se à medida que o capitão reúne conhecimentos sobre Kurtz e descobre pormenores da sua vida. Como é natural, Willard cria expectativas sobre o homem que tem de matar e começa a questionar a sua missão. Todos os episódios são pretexto para Willard reflectir sobre o coronel (“Se era assim que o Kilgore combatia, comecei a interrogar-me sobre o que teriam contra o Kurtz.” ).
Daqui, passamos para a fase em que Willard se identifica com o coronel, “Quanto mais lia e começava a compreender, mais o admirava.”, e em que imagina o encontro entre ambos: “Parte de mim tinha medo do que iria encontrar e do que iria fazer quando lá chegasse. Conhecia os riscos ou imaginava que sim, mas o que mais temia e se sobrepunha ao medo, era o desejo de enfrentá-lo.”
A terceira fase, intimamente relacionada com as outras duas, consiste num processo de assimilação entre Willard e Kurtz. Ao longo do filme, vamos tomando consciência de que o facto de Willard ter assimilado todo o tipo de informações sobre Kurtz fez com que começasse a agir e a pensar como o coronel.
No episódio em que a tripulação encontra um barco e decide revistá-lo, Willard actua da mesma forma que Kurtz agiria: mata a mulher com um tiro e manda prosseguir a viagem. Aliás, os seus pensamentos são bastante elucidativos e parecem ter saído da boca de Kurtz: “Era uma mentira e, quanto mais mentiras via, mais as odiava. Aqueles rapazes não voltariam a olhar para mim da mesma forma, mas senti que sabia uma ou duas coisas sobre o Kurtz que não vinham no dossier.”

No primeiro encontro pessoal entre ambos, vemos um Willard ajoelhado relativamente perto de um Kurtz que se encontra deitado. A luz, ou a falta dela, não permite que vejamos a cara do coronel. A pouco e pouco, depois de ouvirmos a voz de Kurtz e de nos apercebermos de que este se encontra doente, começamos a visualizar a cara que conhecíamos das fotografias. Kurtz mostra-se torturado pela guerra. No diálogo que se segue, Kurtz refere “Esperava alguém como tu.” e pergunta “Que esperavas?” mas Willard opta pelo silêncio face à pergunta de Kurtz.
Nos encontros seguintes, voltamos a tomar consciência da autoridade da voz do coronel. Uma das cenas primordiais de Apocalypse Now ocorre quando este lê a primeira parte do poema The Hollow Men, escrito por T. S. Eliot em 1925. O poema, redigido na primeira pessoa do plural, é também uma forma de Kurtz se encontrar com Willard e de lhe mostrar que enfrentam problemas análogos. (– We are the hollow men // We are the stuffed men // Leaning together -)

No encontro final, deparamo-nos com o ponto auge da assimilação exposta anteriormente. Depois de Kurtz morrer, Willard toma o seu lugar. Willard é Kurtz e toda a população o reconhece ao curvar-se perante ele. Com a arma do crime numa mão e com o livro de Kurtz na outra, os espectadores lembram-se novamente das palavras do General dos Serviços Secretos: “Sabe, Willard, nesta guerra, as coisas tornam-se confusas na selva. O poder, os ideais, a moralidade antiga e as necessidades militares práticas. Mas, na selva, com estes selvagens, deve ser uma tentação ser Deus.”

No entanto, este Willard, ao pegar na mão de Lance e ao abandonar aquele lugar, mostra-se superior a estas palavras e escapa à tentação de ser adorado como um deus por todos aqueles que antes tinham adorado Kurtz.

08 dezembro 2005

Proposta de discussão - XII

O filme da minha vida
Até ao dia de hoje, houve um único filme que alterou a minha vida: Persona de 1966.
Fui vê-lo à Cinemateca no dia 15 de Novembro de 2002. Era a minha primeira experiência no universo de Ingmar Bergman. Recordo-me das palavras ditas por João Bénard da Costa antes da projecção começar “ – como eu invejo aqueles que hoje vão ser, pela primeira vez, confrontados com Persona. Confrontados com quem? Com uma pessoa (uma máscara, que dizem os eruditos que é a raiz do que somos) que um dia, num palco, emudeceu e nunca mais voltou a falar.”
Assim que o filme começou, apercebi-me de que nunca tinha visto nada assim. A simplicidade dos cenários, os grandes planos de Bergman, a ausência de diálogos e, claro, os olhos de Elisabet Vogler. Nunca tinha visto nada que representasse de forma tão verdadeira a essência do ser humano. Aliás, para ser sincera, não voltei a ver nada que possa ser comparado a Persona. Persona é sinónimo de perfeição.
A partir daquele dia, a minha relação com o cinema mudou radicalmente. Bem sei que isto parece um lugar-comum mas foi o que aconteceu. Desde então, dediquei-me a conhecer a obra completa de Ingmar Bergman. Tenho tido boas surpresas mas, desculpem a repetição, nada que se compare a Persona. Voltando a João Bénard da Costa: “ Em nenhum outro dos seus filmes – sejam quais forem as subjectividades e as preferências – o cineasta conseguiu atingir tal grau de simplicidade e de complexidade e conseguiu dizer tanto com tão pouco. Todo o Bergman está nele, nele está todo o Bergman.”
E vocês? Qual é o filme das vossas vidas?

07 dezembro 2005

Há planos assim - V

Depois de ter realizado The Hand That Rocks the Cradle e L.A. Confidential, dois marcos do cinema da década de 90, Curtis Hanson aventurou-se no género melodramático e arrastou duas celebridades: Shirley MacLaine e Cameron Diaz.
O resultado final desta “aventura” é uma película consistente, verosímil e bem filmada. Poderia ser melhor e mais pungente mas não o é. No entanto, atrevo-me a dizer que In Her Shoes possui uma das cenas mais bonitas (desculpem-me o adjectivo banal mas é o que sinto) de 2005: a leitura do poema One Art de Elizabeth Bishop feita por uma Cameron Diaz disléxica a um idoso acamado.
One Art
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
Elizabeth Bishop

O poema, brilhante descrição de uma arte cujo objectivo é alcançar a indiferença face àquilo que se perde, não vive de construir coisas mas sim de as perder. Tal como a personagem que, de emprego em emprego e de homem em homem, vai perdendo tempo, beleza e dignidade. Assim como o velho professor que perdeu a visão e aprendeu a viver com isso, refugiando-se na tarefa de ensinar poesia às pessoas que tratam dele.
É de perder e ganhar que nos fala este In Her Shoes. E não tenhamos dúvidas de que ganhámos com ele.

04 dezembro 2005

Proposta de discussão - XI

Gandhi (1982)
Schindler's List (1993)

Suspect Zero (2004)
Oliver Twist (2005)
Eis alguns exemplos comprovativos da enorme versatilidade de Ben Kingsley. Pareceu-me que estava na altura de prestar homenagem a um dos actores que tem tido mais "caras" no grande ecrã.
Aqui fica mais uma oportunidade para discutirmos sobre cinema.
Até breve!

28 novembro 2005

Sobreviver à morte

A razão que me leva a escrever sobre Elizabethtown nada tem a ver com a fraca interpretação de Orlando Bloom que exercita uns esforçados trejeitos de galã sem nunca anular o seu desempenho em Troy, frustração cinematográfica realizada pelo mesmo homem que nos maravilhou com The NeverEnding Story. Também nada tem a ver com Kirsten Dunst, tão pura em Eternal Sunshine of the Spotless Mind e agora tão reduzida a uma miscelânea de Meg Ryan com Amélie Poulain. E, naturalmente que nada tem a ver com o romance fácil e quase simplório que se vai desenrolando ao longo de Elizabethtown.
Aquilo que me leva a escrever este texto é a forma como Cameron Crowe consegue, de uma vez por todas, trazer algo de profundamente interessante ao grande ecrã: a capacidade de sobreviver à morte.
Não é por acaso que a última palavra do filme é “life” e também não é por acaso que os personagens alcançam formas de vencer a morte: os habitantes festejam o carácter de um homem em vez de o chorarem, o filho suicida é conduzido até aos pequenos prazeres da vida e Susan Sarandon, na melhor sequência do filme, exibe-se em frente a uma plateia de idosos moralistas e de familiares que nunca a prezaram. Ao revelar segredos, ao dançar um comovente sapateado e ao aparecer, magnífica, de branco na cerimónia fúnebre do marido, Susan Sarandon está a ensinar-nos a sobreviver à morte.
E no fim, nem queremos saber de mais nada. Ansiamos por sair da sala de cinema e abraçar a vida, contentes porque superámos a morte.
P.S. Parabéns ao Mise en Abyme pelo seu centésimo post!

11 novembro 2005

Novidades sobre Stanley Kubrick


Aqui ficam dois links destinados aos seguidores mais fiéis da obra de Stanley Kubrick.
A sugestão foi dada pelo responsável deste blog, aliás grande admirador do realizador americano que morreu em 1999.

10 novembro 2005

Há planos assim - IV

No dia 10 de Fevereiro, escrevi um texto sobre a beleza indiscutível do plano de Frank Capra, em que vemos Donna Reed e James Stewart separados por um telefone em It's a Wonderful Life de 1946.
Agora, passados exactamente 9 meses, proponho que observemos o seguinte plano de Luchino Visconti.
Como verificamos, Marcello Mastroianni e Maria Schell encontram-se separados por uma carta, no filme Le Notti Bianche de 1957. Aqui, tal como em It's a Wonderful Life, o objecto cénico simboliza o terceiro elemento de um triângulo amoroso. Simples coincidência? Ou será que, 11 anos depois, Luchino Visconti decide piscar o olho a Frank Capra?

07 novembro 2005

... but not you, not anymore ...



Leitura desaconselhável para aqueles que nunca viram Saw
No último FantasPorto, os espectadores deste festival tiveram o privilégio de serem testemunhas da estreia de Saw, segunda longa-metragem de James Wan. Tendo semelhanças óbvias com filmes como o tremendo Seven de David Fincher, Cube de Vincenzo Natali e Mindhunters de Renny Harlin, talvez fosse de estranhar que Saw tenha saído da cidade invicta com o prémio de Melhor Argumento.
Como sabemos, apresentar um filme que se baseie nas paranóias macabras de um assassino não é uma iniciativa original. No entanto, este Saw, apoiado em cenários putrefactos e sombrios, revela-se uma boa surpresa. Ao contrário do que muitos escrevem, discordo que o final de Saw seja o seu melhor momento. Quanto a mim, parece-me que os primeiros dez minutos contêm grande parte da excepcionalidade deste filme. E porquê? Porque é nesses breves planos que James Wan revela todo o argumento. Começa por filmar, de forma insistente, a chave que poderia livrar Adam da morte e remata quando o mesmo Adam retira o gravador que está a ser agarrado por um corpo coberto de sangue. Uma vez que é extremamente difícil libertar um objecto de uma mão morta, a ligeireza com que o gravador desliza só poderia indicar que aquele corpo está vivo.
Posto isto, seria de esperar que todos adivinhássemos o fim. Contudo, ainda está para chegar o espectador que não se surpreenda com o final. Quer isto dizer que James Wan apresenta as respostas e, ainda assim, consegue iludir-nos durante todo o filme. Para isso, mune-se de todos os clichés do filme de “serial killers” (por exemplo, o polícia obcecado por vingança, as perseguições inúteis e a família raptada) e condimenta-os com três temperos essenciais: uma narrativa consistente, truques visuais que proporcionam celeridade e repelem a monotonia tão comum a alguns filmes deste género e gore do mais imaginativo que tenho visto.
Surgindo do cinema independente e com baixo orçamento, Saw consegue ser uma história aterradora, muito superior aos blockbusters-supostamente-assustadores que estreiam em catadupa nos nossos cinemas. A não perder!

29 outubro 2005

Proposta de discussão - X

Cada vez mais se recusa a ideia de uma aprendizagem. (…) A ideia é: cinema não tem nada que perceber. Não há nada para perceber. Há divertir-me ou não me divertir, distrair-me ou não me distrair e recusar perceber qualquer coisa. E isto de uma maneira geral para tudo, cada vez mais. Uma espécie de gala de analfabetismo que leva a essa reacção muito hostil em relação a obras exigentes.
É uma coisa que mudou muito em relação ao meu tempo. Nos anos 50, as pessoas tinham uma atitude bastante mais modesta. Quando não percebiam um filme, quando o filme era mais difícil, não saíam de lá imediatamente a dizer “isto não presta para nada”. Diziam “eu não percebi, eu não entendi, ajuda-me, explica-me”, depois liam coisas, começavam a entender e a dizer “ainda não tenho preparação para aquilo”. Como eu posso dizer que não tenho preparação para uma determinada obra literária ou para uma determinada obra de pintura. Ou, por exemplo, como me acontece com a ciência. Se eu for ouvir uma conferência de um matemático, é óbvio que não percebo nada de nada, mas não saio de lá a dizer “o homem é um aldrabão ou um vigarista”. Eu é que não tenho capacidade de o compreender. (…)
João Bénard da Costa no documentário A 15ª Pedra – Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa em Conversa Filmada

25 outubro 2005

Filmes portugueses no doclisboa




Durante 9 dias de programação, o doclisboa, terceiro festival internacional de cinema documental de Lisboa, apresentou cerca de 90 filmes oriundos de todo o mundo. Para a posteridade, ficam o elevado número de espectadores, ainda mais do que no ano passado, e uma atenção especial dada ao documentário português.
Assim, para aqueles que estiveram presentes nas projecções de películas portuguesas, os nomes de Cláudia Varejão, vencedora da menção especial 1ª obra, e de Sílvia Firmino, vencedora do prémio doclisboa Tóbis para o melhor documentário português e do prémio doclisboa IPJ para o melhor filme português, catapultaram do quase anonimato em direcção ao reconhecimento público.
Falta-me, primeira obra de Cláudia Varejão, convidou várias figuras públicas, tão desiguais como Lili Caneças e António Vitorino, e interpelou imigrantes, pedintes e habitantes de Lisboa com o objectivo de que todos escrevessem numa ardósia aquilo que lhes faz falta. Há respostas que se repetem, como “saúde” e “felicidade”, mas há também algumas que espantam. Tudo espremido, fica a recordação de uma película realizada por alguém com um inteligente olho fotográfico.
Gosto de Ti Como És, obra de Sílvia Firmino, desenvolve-se na intimidade de uma família castiça e de um bairro antigo de Lisboa. Dia após dia, vamos conhecendo os ensaios, os medos e os desejos dos responsáveis pela apresentação da Marcha da Bica. Documentário sincero, comovente e alegre, mesmo brejeiro, Gosto de Ti Como És traz a possibilidade de testemunharmos toda a relevância que as Marchas Populares têm na vida de muitos lisboetas.
Destaquemos ainda Fiat Lux, de Luís Alves de Matos, e A 15ª Pedra – Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa em Conversa Filmada, de Rita Azevedo Gomes. O primeiro, curta-metragem de 16 minutos, transporta-nos até a uma aldeia perto de Tondela onde o realizador acompanhou, de forma pertinente, os hábitos de uma população antes e depois de terem luz eléctrica. O segundo, resultado final de uma longa conversa, consegue transmitir uma noção de proximidade física e psicológica entre o público e dois cinéfilos. Normalmente tão distantes, reconhecidos inclusivamente como “mitos da nossa cultura”, Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa aproximam-se, falam abertamente sobre experiências do passado, dão a conhecer histórias familiares, riem-se e afastam a ideia de “génio” para se aproximarem da ideia de “homem”, tão perto de nós.

14 outubro 2005

Sugestões doclisboa 2005



De 15 (Sábado) a 23 de Outubro (Domingo)

Da extensa e louvável programação oferecida pelo doclisboa 2005, o Mise en Abyme sugere:

- Sereias, 15 / 21h00

Dina Campos Lopes apresenta um retrato da situação vivida pelo barco-clínica da organização holandesa Women on Waves depois de ter sido impedido pelo Governo português de entrar em águas territoriais portuguesas.

- Srebrenica: a Cry from the Grave, 16 / 14h30

O programa Histórias da Europa abre com o caso de Srebrenica contado por sobreviventes do massacre de 1995.

- Era uma Vez um Arrastão, 18 / 11h00

Documentário que desmascara o pendor sensacionalista da comunicação social em Portugal.

- A 15ª Pedra, 18 / 18h30

Rita Azevedo Gomes dá a palavra a Manoel de Oliveira e a João Bénard da Costa.

- Time Indefinite, 19 / 16h30

Reflexão cinematográfica sobre a passagem do tempo nas pessoas e nos lugares.

- Sergei Eisenstein: Autobiography, 21 / 14h30

Documentário sobre a vida e a obra do mais lendário realizador soviético.

- Bright Leaves, 21 / 23h00

Ross McElwee realiza um misto entre um inquérito e um filme caseiro com o objectivo de explorar as diferentes consequências do tabaco na vida das pessoas.

- FILMES PREMIADOS, 23 / 16h30 - 18h30 - 21h00

Até amanhã!

12 outubro 2005

À vossa espera no clube de vídeo - III



Um morto, dois homens, duas mulheres e ainda um excêntrico endinheirado. Quem será o responsável por aquele cadáver? Será o capitão, a caçadora de maridos, o pintor indolente ou a casta senhora? Talvez nenhum deles. Se calhar o culpado pelo corpo morto é uma criança faladora ou mesmo um médico distraído. Todos parecem ter um motivo, todos parecem agir de forma estranha e há ainda uma porta que se abre misteriosamente ao longo do filme.
Ao mesmo tempo que o pintor vai desenhando, Alfred Hitchcock arquitecta uma série de equívocos preenchidos por uma sexualidade explícita. Minuto a minuto, The Trouble with Harry, a estreia em cinema de Shirley Maclaine, revela-se uma teia de fios macabros, deliciosamente pervertidos.
Um filme do mestre bem diferente de todos os outros.
Não deixem de o ver!

11 outubro 2005

Todos à Culturgest!


" O doclisboa é o único festival internacional português exclusivamente dedicado ao documentário, que se interessa por novas formas de pensar, de olhar o mundo e de comunicar.
O doclisboa 2005 vai trazer novamente à Culturgest uma visão transversal do mundo contemporâneo. 9 dias de programação intensiva onde serão apresentados 90 documentários. "

29 setembro 2005

Proposta de discussão - IX


" Em tempos de tantos divertimentos medíocres (que confundem a diversão com a desvalorização de todas as formas de inteligência), descobrir um filme como She Hate Me / Ela Odeia-me é um acontecimento feliz. Que é como quem diz: uma comédia pura e dura, sem medo de experimentar os limites do absurdo — esta é a história de um homem (Anthony Mackie) que se transforma em dador "oficial" de esperma para 18 lésbicas candidatas à maternidade... —, comédia em que o humor funciona como delicado bisturi para a desmontagem das relações sociais e afectivas numa América com a sua mitologia nacional em crise e, por isso mesmo, carente de valores seguros. Nesta perspectiva, e para além das muitas diferenças temáticas e narrativas, este é um filme completamente cúmplice do admirável A Última Hora (2002), um dos primeiros títulos a reflectir sobre a América pós-11 de Setembro e também um dos momentos mais altos da filmografia de Spike Lee.
Spike Lee é um verdadeiro cineasta do desejo, ou melhor, da diferença nunca estabilizada entre aquilo que cada personagem vê noutra e o que a segunda espera da primeira. Claro que, desde títulos como She’s Gotta Have It (1986) ou Do the Right Thing (1989), a sua visão está indissociavelmente ligada às tensões entre negros e brancos na sociedade americana. Mas seria redutor considerá-lo um cronista de temáticas "raciais". O que ele filma é sempre, em última instância, a imensa pluralidade do factor humano e todos os "excessos" que o fazem sair das normas politicamente (ou racialmente) correctas. Daí também que Spike Lee seja um dos mais ousados experimentadores do actual cinema americano. Nesse aspecto, Ela Odeia-me é um fulgurante exercício formal: começa como drama social, transfigura-se em comédia de costumes e desemboca na imponência de uma parábola sobre o presente crítico da própria nação americana. "
Escrito por João Lopes
Será que concordam?

27 setembro 2005

Estreia aguardada


" Passaram 193 dias desde que Alice foi vista pela última vez. Todos os dias Mário, o seu pai, sai de casa e repete o mesmo percurso que fez no dia em que Alice desapareceu. A obsessão de a encontrar leva-o a instalar uma série de câmaras de vídeo que registam o movimento das ruas. No meio de todos aqueles rostos, daquela multidão anónima, Mário procura uma pista, uma ajuda, um sinal... A dor brutal causada pela ausência de Alice transformou Mário numa pessoa diferente mas essa procura obstinada e trágica é talvez a única forma que ele tem para continuar a acreditar que um dia Alice vai aparecer. "
Premiada em Cannes, Alice, primeira longa-metragem de Marco Martins, estreia nas nossas salas no dia 6 de Outubro. Deixo-vos com a sinopse do argumento e com o convite para visitarem o site. Lembrem-se de que o elenco possui nomes como o de Beatriz Batarda e de que a música pertence a Bernardo Sassetti.
Vão ver e encontramo-nos por cá!

26 setembro 2005

Homenagem à beleza etérea - III



Jacqueline Bisset em La nuit américaine de François Truffaut

23 setembro 2005

Ciclo Jacques Tourneur



Auditório da Biblioteca Museu República e Resistência
Sessões gratuitas

28 de Setembro / 18h30m - Days of Glory

06 de Outubro / 18h30m - Out of the Past

12 de Outubro / 18h30m - Easy Living

19 de Outubro / 18h30m - Experiment Perilous

26 de Outubro / 18h30m - Berlin Express

O Auditório da Biblioteca Museu República e Resistência situa-se na Rua Alberto de Sousa, relativamente perto da estação de Metro Entrecampos. Este espaço cultural possui uma biblioteca repleta de bibliografia sobre a Primeira República, o Estado Novo, a oposição ao Regime, o 25 de Abril, a Guerra Colonial e a Descolonização Portuguesa. A par disto, o Auditório da Biblioteca Museu República e Resistência oferece ainda a oportunidade de usufruir de um Cine Clube cuja sala apresenta condições superiores a muitas outras que organizam ciclos de cinema.
Nos próximos dias, deliciem-se com o festim cinéfilo composto por películas de Jacques Tourneur. (Se me permitem o conselho, não percam Out of the Past, com Robert Mitchum e Kirk Douglas nos meandros do film noir... Inesquecível!)

12 setembro 2005

Resposta a Luís Miguel Oliveira

Luís Miguel Oliveira, crítico habitual do suplemento Y, escreveu a seguinte afirmação sobre o filme Os Psico-Detectives: O argumento não saiu das mãos de Charlie Kaufman mas podia muito bem ter saído.
Permita-me que lhe responda: não, nunca poderia ter saído das mãos de Charlie Kaufman. E porquê? Em primeiro lugar, convém que não caiamos no erro de confundir um disparate pegado (como a suposta comédia existencial Os Psico-Detectives) com uma obra séria que consegue manipular o absurdo ao ponto de o tornar convincente (e aqui, estou a referir-me aos argumentos escritos por Charlie Kaufman que tornaram possível a existência de grandes filmes como Being John Malkovich, Human Nature, Adaptation e Eternal Sunshine of the Spotless Mind).
Em segundo lugar, as histórias de Charlie Kaufman são objectos únicos no cinema. Se alguém conhecer algum argumentista que tenha arrojado tanto no que toca à concepção cénica e à organização temporal, avise-me por favor. Já Os Psico-Detectives, tradução lamentável de I Heart Huckabees, assemelha-se a muitas coisas mas nunca consegue ser nada. Assim que conhecemos a personagem principal, Albert Markovski, passa-nos pela ideia que poderíamos estar a ver uma película de Woody Allen. Momentos depois, quando observamos o par de detectives existencialistas e todas as suas técnicas bizarras, temos reminiscências do universo de Kaufman. Em ambos os casos, demoramos pouco tempo a esquecer tais sensações. Woody Allen e Charlie Kaufman nunca perderiam o controlo de uma história, tal como o Craig Schwartz de Being John Malkovich nunca perdia o controlo das suas marionetas.
Em Os Psico-Detectives, o realizador e argumentista David O. Russell vai acumulando informação e quando não sabe o que fazer com ela, impele as personagens a explodirem em ataques de histeria: Jude Law a chorar baba e ranho, Naomi Watts a ter atitudes de adolescente e Mark Wahlberg transformado num bombeiro com comportamentos próprios de um autista. Nada se resolve, nada se completa. A desculpa de se fazer um filme sobre coincidências não pode justificar tudo. Mais do que isso, nunca poderá chegar para confundir Os Psico-Detectives com um argumento de Charlie Kaufman. Depois de o filme acabar, só resta a memória de ter visto Isabelle Huppert e Dustin Hoffman, cujas enormes capacidades não são propriamente uma novidade.

08 setembro 2005

Cinema cantado

De uma relação íntima entre a música, o cinema e a poesia, nasceu o projecto Noiserv encabeçado por David Santos, 23 anos. Canções escritas por um eu sonhador que não abdica das suas vivências e dos seus objectivos profissionais.
" Nas alturas em que ensaio ou escrevo letras, apercebo-me de que a banda sonora exerce um papel fundamental nos filmes. Por vezes, uma música tem mais impacto do que um diálogo. Quando penso nisto, lembro-me de que um filme como Lost in Translation ganha uma simbologia única na medida em que tem uma banda sonora perfeita. Para dar outro exemplo, posso referir o recente Os Edukadores, em que a cena mais marcante é aquela em que ouvimos unicamente Jeff Buckley. Quando toco, tento transmitir o "meu cinema" às pessoas que me ouvem. "
Excerto de uma conversa com David Santos

06 setembro 2005

Homenagem à beleza etérea - II



Claudia Cardinale em de Federico Fellini

02 setembro 2005

Proposta de discussão - VIII


Gena Rowlands


Kim Novak


Liv Ullmann

Caros visitantes,

Não resisti à proposta de conversarmos sobre as melhores actrizes de sempre. No que diz respeito à actualidade, já conhecem as minhas escolhas desde a altura em que discutimos sobre louras e morenas.

Quanto ao novo tema, talvez estranhem o número escasso das minhas eleitas. De cada vez que penso no assunto proposto, mais me apercebo de como estas mulheres possuem momentos superiores a tantas carreiras de outras actrizes conceituadas.

Será que concordam?

29 agosto 2005

Cinemateca surpreende

Atenção amantes do cinema de terror!
Durante o mês de Setembro, a Cinemateca abre as portas da esplanada a todos aqueles que estiverem interessados em assistir a filmes de zombies. Obras de George Romero, Sam Raimi, Peter Jackson e John Carpenter estarão à vossa espera.
Encontramo-nos por lá!

22 agosto 2005

Proposta de discussão - VII


Al Pacino


Anthony Hopkins


Bill Murray


Cary Grant


Edward Norton


Jack Nicholson


James Dean


James Stewart


John Cassavetes


Paul Newman




Robert De Niro


Rowan Atkinson

Aqui fica a minha resposta à sugestão de discutirmos sobre grandes actores. Em vez de elaborar uma lista exaustiva, preferi referir os primeiros nomes que me vieram à cabeça. Aguardo acrescentos e / ou discordâncias.