Cada vez mais se recusa a ideia de uma aprendizagem. (…) A ideia é: cinema não tem nada que perceber. Não há nada para perceber. Há divertir-me ou não me divertir, distrair-me ou não me distrair e recusar perceber qualquer coisa. E isto de uma maneira geral para tudo, cada vez mais. Uma espécie de gala de analfabetismo que leva a essa reacção muito hostil em relação a obras exigentes.
É uma coisa que mudou muito em relação ao meu tempo. Nos anos 50, as pessoas tinham uma atitude bastante mais modesta. Quando não percebiam um filme, quando o filme era mais difícil, não saíam de lá imediatamente a dizer “isto não presta para nada”. Diziam “eu não percebi, eu não entendi, ajuda-me, explica-me”, depois liam coisas, começavam a entender e a dizer “ainda não tenho preparação para aquilo”. Como eu posso dizer que não tenho preparação para uma determinada obra literária ou para uma determinada obra de pintura. Ou, por exemplo, como me acontece com a ciência. Se eu for ouvir uma conferência de um matemático, é óbvio que não percebo nada de nada, mas não saio de lá a dizer “o homem é um aldrabão ou um vigarista”. Eu é que não tenho capacidade de o compreender. (…)
É uma coisa que mudou muito em relação ao meu tempo. Nos anos 50, as pessoas tinham uma atitude bastante mais modesta. Quando não percebiam um filme, quando o filme era mais difícil, não saíam de lá imediatamente a dizer “isto não presta para nada”. Diziam “eu não percebi, eu não entendi, ajuda-me, explica-me”, depois liam coisas, começavam a entender e a dizer “ainda não tenho preparação para aquilo”. Como eu posso dizer que não tenho preparação para uma determinada obra literária ou para uma determinada obra de pintura. Ou, por exemplo, como me acontece com a ciência. Se eu for ouvir uma conferência de um matemático, é óbvio que não percebo nada de nada, mas não saio de lá a dizer “o homem é um aldrabão ou um vigarista”. Eu é que não tenho capacidade de o compreender. (…)
João Bénard da Costa no documentário A 15ª Pedra – Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa em Conversa Filmada
11 comentários:
É impossível dizer-se melhor. É o resulto do pós-modernismo português: "se saber produz saber" e se em Portugal cada vez mais se dedica menos tempo À alimentação do intelecto (no sentido germânico da coisa, de Der Geist), resulta óbivo que a intelectualidade da população será menor.
Pior ainda, a lúcida declaração de Bénard da Costa mostra que, em Portugal, não há pós-modernismo (à la Lyotard), porque, regra geral, as pessoas recusam-se a aprender e parecem não acreditar numa aprendizagem contínua e performativa.
...e a reacção hostil a filmes difíceis prende-se a outra coisa: ao grande umbiguismo que afecta o Ser Humano.
No meu modesto analfabetismo cinematografico vejo-me obrigado a dizer algo. Esse algo é que não podemos esquecer que há dois tipos de cinema, o cinema de entretenimento e o cinema "artistico". É mais ou menos como comparar as molduras com imagens do "Ikea" com quadros de pintores de renome. Ou seja, se eu, jovem bruto e analfabeto for ver um filme para me divertir e apanhar um filme artistico sinto-me tão defraldado como se for comprar uma decoração para minha casa e trazer "Quadrado branco sobre fundo branco" (que por acaso até gosto, mas isso seria toda uma outra discussão).
Já agora, e como se educa as pessoas para esse cinema? Penso que essa é a verdadeira questão.
Olá a todos!
Vejo-me "obrigada" a concordar com ambos. Por um lado, irrito-me profundamente de cada vez que constato que muitas das pessoas com que me cruzo se estão nas tintas para aquilo que o Hugo denomina como "alimentação do intelecto". Posso dar um exemplo: alunos da Faculdade de Letras que ocupam os intervalos a ler publicações como a Maria e a Nova Gente.
Por outro lado, parece-me que o Sr. Cabral colocou o dedo na ferida quando pergunta "como se educam as pessoas para esse cinema?" É uma pergunta algo desconfortável... Terá de haver um interesse genuíno que pode ser construído individualmente ou através de um meio envolvente (familiar ou não). Depois disso, é necessário que existam "meios" de ensino. E quanto a isso, devo dizer que são difíceis de encontrar mas que existem... E a internet está recheada deles! Já para não falar das bibliotecas e dos jornais...
Cara Mafalda,
As bibliotecas e os jornais são meios "voluntários" de quem quer ser ensinado. Ora, esses à partida estão excluídos do grupo bruto analfabeto "que porcaria de filme" só porque não o percebem.
Não sou a favor do educar à força, mas sou muito a favor do despretenciosismo (não sei se existe esta palavra, mas achei que ficava bem aqui, chique a valer) do saber e penso que o primeiro passo está aí, deixar de se ser pedante e de tratar por analfabeto alguém que gosta mais de Vin Diesel do que de Godart. Talvez assim se consiga um equilíbrio. Outra coisa talvez a rever é o preço do cinema...(atenção, nada disto se aplica ao teu modo de estar, é mais uma consideração geral)
A "educação para o Cinema" terá forçosamente as mesmas premissas da educação para a Literatura, para a Arte, para a História, para a Música: um esforço concertado do Estado e da sociedade civil (principalmente no que toca às televisões, que tanto poder e fascínio exercem sobre o cidadão comum) no sentido de tornar a Cultura consumível e apetecível.
Por outras palavras: há que superar o esquema viciado de "dá-se às pessoas aquilo que elas querem ver" já que, na realidade, essas mesmas pessoas vêem aquilo que lhes é dado. Passem programas de qualidade em horário nobre (qualidade não é sinónimo de tédio, e por que razão passar bons filmes de madrugada?), abram as portas dos museus em determinados dias da semana, baixem o preço do cinema e dos concertos e dos impostos sobre livros e discos. Façam exposições na rua, editem os clássicos em formato livro de bolso (com traduções melhores que as da Europa-América) e vendam-nos a 3 euros. Invistam em professores primários e de liceu satisfeitos, o que os levará a desempenhar as suas funções com brio.
Enfim, o problema é profundo e complexo, e não tenho a veleidade de o pretender resolver nestas curtas linhas.
Quando li o excerto que serve de pretexto à "Proposta de discussão X", a primeira coisa que me fez colocar questões foi a afirmação de João Bénard da Costa "Quando não percebiam um filme, quando o filme era mais difícil..."
Afinal, o que significa de facto "não perceber um filme"? Estamos a falar dos aspectos técnicos? Estamos a falar da "história" que o filme conta? Da "forma" com a conta?
A mim parece-me que J. B. da Costa, no texto proposto, se está a referir claramente ao conteúdo de um filme. Mas, se for esse o caso, no fundo está a olhar para o filme como se de um livro se tratasse e, apesar de muitos pontos de contacto, o cinema não é literatura, nem filosofia.
Com isto não quero dizer que não possa tratar de temas literários, filosóficos ou de tantos outros. Porém, "perceber" cinema não se resume a compreender o tema do filme ou a forma como este é abordado.
Um bom filme, para ser considerado arte, não precisa da caução de uma "forma" que dificulte a inteligibilidade. Existem mesmo inúmeros filmes excelentes com histórias de grande simplicidade. Muitos filmes ditos "difíceis" não passam de um somatório de maneirismos que envelhecem com o passar dos anos, tornado-se datados.
É claro que o que ficou dito não invalida que os espectadores se cultivem no sentido de compreenderem a diferença entre um filme de consumo "puro e duro" e um filme de qualidade, seja este fácil ou difícil de interpretar.
Como costumo comentar com amigos, "um filme bom é sempre bom, seja qual for a sua origem".
Caa Mafalda, não sou, propriamente, eu a dizer, mas sim Jean-François Lyotard...limitei-me a usar alguns dos termos cunhados em "A condição pós-moderna"....
Há ainda um exemplo pior: alunos de Direito que, em plena época do Processo Casa Pia, faziam comentários típicos de leigos, tais como: "era matá-los todos na câmara de gás"...
Cinematograficamente falando, este país, o quintal à beira-mar plantado, está igual à Itália d'"o leopardo", pis ainda acredita que é preciso que mude alguma coisa para que t udo fique na mesma...
Pior ainda, joga-se, cada vez mais pelas aparências: as pessoas mudam de atitude (às vezes de forma diametralmente oposta) consoante o interlocutor em causa... sic transit gloria mundi
Há comentários típicos de determinadas faixas etárias, e o apresentado nesta proposta a discussão é um deles. Inúmeras vezes sou confrontado com o: "no meu tempo é que era bom..."; atitude que me revolta por vários motivos: 1º O meu tempo é sempre o presente e não gosto que de o ver denegrido face ao passado; 2º A argumentação geralmente é parcial e infundamentada e 3º É comportamento típico de quem não se adapta à evolução dos tempos e apenas se quer reconfortar.
Sei que se calhar estou a ser demasiado agressivo mas se analisarmos bem os comentários reparamos que a realidade não é bem a apresentada. Hoje a oferta de cinema é muito superior à dos anos 50, não tenho dúvidas que tanto nessa altura como agora se fizeram grandes filme e também filmes muito maus. Por outro lado, nessa altura o cinema ainda não estava tão difundido como agora pelo que seja natural que apenas uma população mais informada/interessada assistisse a filmes no cinema daí a atitude mais educada.
Entretanto também gostava de saber em que dados se baseia para fazer afirmações do tipo: "não saíam de lá imediatamente a dizer “isto não presta para nada”". Pois dizer que as pessoas tinham mais formação nos anos 50 que agora é ignorar por completo as estatísticas nacionais e simplesmente considerar o mundo à sua volta hoje e no passado que, muito provavelmente, se afigura uma amostra muito reduzida e pouco fidedigna.
Para mim a questão resume-se ao facto de hoje o cinema estar acessível a TODA a população e, quer se quer não, existem pessoas mais e menos educadas para ver cinema. Dizer que nos anos 50 todos os jovens iam a correr para as bibliotecas estudar sobre este ou aquele realizador para entenderem melhor as questões de fundo de cada filme que não entendiam é que sinceramente não me convence.
Concordo plenamente com o JTC. Assim que li o excerto lembrei-me automaticamente das minhas aulas de Língua Portuguesa, em que os alunos põem o dedo no ar, como manda a boa educação, e perguntam:
"-Stôra, pa ké keu preciso saber isto?
"-Olhe menino, pra não morrer estúpido!"
Este excerto de diálogo só transparece uma coisa: hoje a Escola é para todos, mesmo para os que não sabem o que lá andam a fazer. Hoje o cinema também é para muitos mais do que era nos anos 50. Devemos agradecer isso, mesmo que as pessoas não entendam porque têm de estudar Gil Vicente ou porque é que existe "cinema artístico". O importante é que as pessoas contactam, nem que seja uma vez na vida, com essas realidades que se afastam do seu quotidiano.
Breve nota para referir que acho que a Educação, quer familiar, quer profissional pode ter e tem 1 papel com proporções decisivas nas constantes mudanças de mentalidades por cimentar(para melhor ou para pior), embora às vezes seja a natureza das coisas a implementar essas mudanças, como foi o meu caso. E o que é triste é verificar, por exemplo, Liceus serem alvo de concertos de DZRT, 1 profissionalismo educacional decadente e imbecilizante...
Já agora, lembro-me de ver o Rui Zink a proferir certa vez que "as pessoas não gostam de sermões, é por isso que a TVI acabou com os sermões do padre Melícias e apostou na porno-chachada do Alexandre Frota". Isto, a propósito do cuidado na estrada, também pode servir para a recusa da aprendizagem ou estimulação na arte.
Os meus cumprimentos
Há temas que são indubitavelmente intemporais e que transcendem todas as conjunturas e análises circunstanciais. Temas que são recorrentes e que, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, voltam sempre à baila.
Destes temas, intemporais, encontramos dois que são levantados nesta discussão. Ditos da maneira com que me vou expressar ou vestidos com qualquer outra roupagem, as questões de fundo deste debate são:
- Filmes artísticos versus filmes de consumo;
- Como ensinar / aprender, educar, o que lhe queiram chamar, "a ver cinema".
A primeira questão é, para mim, muito simples. Sejam artísticos, sejam de consumo, há filmes que ficam e há filmes que caiem no completo esquecimento. Por razões que não vou dissecar, há filmes que, por muito sucesso, ou por muito que sejam enaltecidos e elogiados pelos críticos e intelectuais, numa determinada época, caiem no esquecimento. Há filmes que não tendo grande impacto quando chegam a público, pertencem à História do Cinema.
Na História do Cinema, existem filmes de "consumo" e filmes "artísticos". São os filmes identificados pela expressão "evergreen".
O problema não é se é artístico ou de consumo, o problema é termos a sensibilidade e capacidade de sabermos reconhecer fora das circunstâncias da moda, quais são os filmes que vão ficar para a História do Cinema. Este sim é um problema complexo que entronca na segunda questão, essa sim de difícil resposta.
Como ensinar / aprender a ver cinema?
As variaveis desta questão são tantas e tão complexas que não tenho resposta. Contudo, fruto da minha vivência e experiência da vida, deixo uma reflexão. Esta questão passa pela educação e, acima de tudo, pela capacidade de aprender a pensar. Como costumo dizer: não sou surdo mas prezo muito em pensar pela minha cabeça.
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