14 janeiro 2005

O Rosto da Sarabanda



Do último filme de Bergman, muito se pode dizer, mas tudo é dito. Das paisagens que são rostos, dos rostos que são paisagens, são o cinema de cada personagem - um cinema inevitavelmente sincero, absoluto, profundamente carregado, tal como o seu silêncio, tal como a sua música. Saraband funciona como uma ópera, na presença vital da sua música, dos seus actos e pelo papel e posicionamento das suas personagens. Numa capela, num imaginário, num suicídio, numa razão de existir ou na procura de um lugar. O que nos agita, o que nos prende, a razão de actos inconsequentes, ou não, as nossas perdas, aquelas às quais nos agarramos e não podemos largar, aquelas sobre as quais vivemos, no nosso lar (o que é o nosso lar?).
Rosto é o cinema, de Bergman, das personagens, o nosso, que nos toca (o que em Hitchcock defino ser pelos olhos). Não só é angústia, é náusea colada no nosso passado, o que sente Johan no corredor, antes de entrar no quarto, juntando o corpo ao de Marianne, caída no conflito (compreendido?). Acaba também por se tornar em esperança, na resolução do complexo de Karin, mas igualmente no absurdo, o de Henrik.
Que nos diz Bergman? Tudo - para além de todo o Tempo, por entre todas as notas. Por sarabandas, um cinema de pares.

1 comentário:

Mafalda Azevedo disse...

Ingmar Bergman tem vindo a dizer-nos tudo o que há para dizer em obras como Persona, Morangos Silvestres, Lágrimas e Suspiros e agora Saraband. Com Bergman, a acção de assistir a um filme transforma-se num processo de identificação e de diálogo catártico. Ver uma obra sua exige que estejamos preparados para encarar a complexidade do ser humano, sem disfarces e sem ingenuidades. (Acho que consigo supor aquilo que Johan sente no corredor.)
Aqui ficam os meus parabéns por este texto magnífico!