Dia 27 de Janeiro marcará o 60º aniversário da libertação do campo de Auschwitz. Após esse momento, em 1945, o mundo mudaria para sempre. Momento, aliás, que ainda não terminou.
O cinema, arte do século XX por excelência, tinha falhado no seu objectivo o acontecimento mais marcante da sua própria época - os campos de concentração. Durante toda a guerra, tratou-se de algo que passou ao lado de toda a civilização, nunca sequer se formando uma imagem concreta do que acontecia. Duvidava-se até, para um largo número de pessoas, da sua existência, algo ainda hoje defendido em teses fanáticas, e com maior sustentabilidade do que muitos acreditam - objectivamente, não existiam simplesmente provas filmadas de tais campos ou actividades.
Depois de Auschwitz, estabelece-se o trauma. O cinema tinha falhado quando mais se urgia o seu papel. Mais que a arte, tratava-se do nosso cinema - falhou a civilização. E para sempre se estabeleceu a distância. Assim filmou esta brilhantemente Alain Resnais em Nuit et Brouillard, em 1955, nas imagens do campo vazio, dos fornos vazios, das chaminés sem fumo, numa das obras mais importantes de toda a História Cinematográfica. Tal como o próprio chega a afirmar, nunca mais se pode filmar da mesma maneira após Auschwitz. Num Holocausto infilmável, é esta a unica maneira que nos resta, ao contrário de A Lista de Schindler, onde tudo surge como se nada do que já aqui escrito fosse.
Assim, também em 1945, nasceu o neo-realismo com Rossellini em Roma, Città Aperta, outra obra fulcral e necessária ao cinema. Na civilização traumatizada, procura-se chegar de novo à realidade crua das coisas, das pessoas, do que tudo é como se vê. Trazer o cinema de volta ao que ele verdadeiramente é, filmando também a consciência da distância, e não falhar de novo. Nunca mais falhar.
E assim ainda se vive, na perseguição da nossa própria humanidade - nunca mais se acabará de falar do Holocausto, de mostrá-lo, de provocar o seu fantasma. Está presente em tudo, tanto na repetição infinita das imagens do 11 de Setembro, como estará sempre noutras catástrofes, e para outras gerações. Para nunca mais falhar.
1 comentário:
Rossellini interessou-se também da crise da Alemanha no filme "Germania Anno Zero": o seu protagonista, o pequeno Edmund representa fase mais pessimista do realizador italiano sobre o futuro da umanidade depois do "buraco negro da consciência" de Auschwitz.
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