04 janeiro 2005

A importância de Hitchcock


Se não for dos maiores realizadores de todos os tempos, Alfred Hitchcock será então o maior. Não é choque nenhum referir Hitchcock como sinónimo de cinema, ou um dos muitos que se pode dar. É, sem dúvida, muito mais do que um realizador de filmes ou de actores. É um realizador de espectadores - são estes que ele dirige. Nunca o jogo de manipulação entre a imagem e esses últimos atingiu proporções tão importantes como no seu cinema. Hitchcock faz-nos ver coisas que não existem, leva-nos a pensamentos obscuramente rejeitados, e torna-nos em personagens de um filme seu, tal como criminosos. O seu cinema aponta sempre para o total numa "ditadura da câmera", uma linguagem puramente fílmica. Forma-se uma gestão perversa da totalidade do movimento cinematográfico, traduzido no "suspense" da acção e na tensão da percepção, chamando constantemente o fantasma da ideia de todo, apresentando-o como nunca em cada plano.
O espectador torna-se absolutamente dependente do que vê e é alvo de uma manipulação inteligente e eficaz. Em Hitchcock, o sugerido torna-se aceite, transformando o receptor da imagem numa personagem perversa, tal como o seu cinema. Revela-nos sentimentos recalcados, joga com as nossas pulsões, convida-nos a pronunciarmo-nos sobre o que é o nosso próprio cinema e os seus limites, suspende-nos para apenas depois nos prender mais uma vez, tal como se de criaturas nos tratassemos. Remete-nos para a lembrança aterradora da existência do inexplicável mistério da essência do nosso comportamento, sobretudo o seu Mal, erotizando esse mesmo choque pelo poder absoluto da imagem.
Quem é o "psycho" no cinema de Hitchcock ? Quem é que Hitchcock está a filmar ? Ao dirigir-nos, somos objecto da mestria do suspense da promessa de totalidade do filme, sentimos tanto manipulação como identificação, voyeurismo, angústia, sofrimento ou prazer – aqui se encontra a riqueza e complexidade do cinema de Hitchcock, contado não pelas bocas, mas pelos seus olhos, os das suas personagens e os nossos.
O fascínio de Hitchcock é humano – humano também é fascinar-se pelo seu cinema.

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