Todo um cinema junta-se aqui - o do Novo Cinema Português e os seus nomes (Paulo Rocha, realizador de Os Verdes Anos, Fernando Lopes, António de Macedo), o Restaurante Vá-Vá, a praça de Alvalade e a Avenida de Roma, e sobretudo, uma Lisboa que parece respirar uma mudança, uma realidade que escapava ao ambiente social de certas alturas, as dos oitavos andares, ou que choca no fundo do poço, agitado pela pedra que cai em profundidade. Trata-se da queda presente nesta obra, a de todas as escadas, das vistas (o elevador de Santa Justa), das colinas de Lisboa, da claustrofobia da personagem principal, a (sua) visão fixa e subterrânea da sua oficina.
Também se trata de uma nova realidade cinematográfica do nosso país, uma nova arquitectura (presente(s) em cada um dos planos deste filme), a da matéria cinematográfica sobre a mera história. M.S. Fonseca afirma que estas são personagens sem psicologia - arrisco a lembrar-me de Cézanne, e também da sua arquitectura modernista.
E a presença de Paulo Rocha e o emocionante aplauso de todo um público na sessão de hoje na Cinemateca Portuguesa, grupo e figuras máximas de toda uma humanidade criativa e imaginária, não mais representa, para todos nós, que o concretizar de todo um Cinema. Aqui nos apercebemos, observando o cineasta e toda a sua (e nossa) emoção, do choque mais verdadeiro de todos - o do (nosso) Cinema com a vida real e presente. Por estes momentos não esperamos, por todo um transbordar da nossa realidade mais pura e íntima, sob o reconhecimento real da nossa existência, enquanto seres, enquanto pessoas, enquanto figuras frágeis que somos, cercadas num Universo demais misterioso para a nossa racionalidade. Por estes momentos, surge toda uma vida, vemos que toda a fragilidade e insegurança de um pensamento, de uma visão, ou de uma obra é afinal onde se concentra toda a sua beleza, e de onde parte toda a sua força. Por estas obras, por estas sessões, enriquece-se o nosso Cinema. E mais não nos resta senão aplaudir, sentir, ou chorar. Assim vivemos.