25 junho 2005

I waited my whole life to say it


Em 1942, Michael Curtiz tinha acabado de realizar a história de um triângulo amoroso, constituído por Victor Laszlo, Ilsa Lund Laszlo e Rick Blaine. Estávamos na presença de Casablanca, cuja acção se desenrolava em Dezembro de 1941 e cujo propósito era também o de focar a questão dos refugiados na Segunda Guerra Mundial. Num ambiente de espera desesperante, estes homens e mulheres aguardavam a sua vez de poderem partir para a América (“Waiting, waiting, waiting, I´ll never get out of here. I´ll die in Casablanca.”)
Volvidos 30 anos, o realizador americano Herbert Ross executa Play it again, Sam, tendo por base uma peça de teatro de 1969, escrita por Woody Allen. Nesta película, confrontávamo-nos igualmente com um complicado triângulo amoroso, composto por Dick Christie, Linda Christie e Allan Felix. Observando o título da obra fílmica de 1972, reconhecemos uma das frases mais célebres da história do cinema, frequentemente relacionada com Casablanca, embora nunca seja proferida ao longo deste filme. Os nossos ouvidos apenas captam pedidos como “Play it once, Sam”, “Play it, Sam” e “Sing it, Sam”.
Play it again, Sam conta-nos a história de um homem de 29 anos, chamado Allan Felix, que trabalha como crítico de cinema e vive numa casa atulhada de cartazes, revistas e fotografias de Humphrey Bogart. A par disto, Allan recebe visitas frequentes de Bogart vestido com a indumentária de Rick Blaine, herói romântico de Casablanca.
Os minutos iniciais de Play it again, Sam decorrem no interior de uma sala de cinema, onde encontramos Allan Felix a rever a cena final de Casablanca. Momentos depois, vemo-lo a desfrutar da companhia do seu actor preferido. Humphrey Bogart parece ter acabado de sair da última sequência do clássico de 1942: veste as mesmas roupas e traz o revólver usado no assassinato do alemão. Assim que o ouvimos falar, reconhecemos a sua voz e notamos que se dirige a Allan através da expressão “Kid”, que usava para alcunhar a personagem de Ingrid Bergman. No entanto, este Bogart comporta-se como uma espécie de caricatura de Rick Blaine.
A presença de Humphrey Bogart em Play it again, Sam é um dos aspectos que constituem o processo de reflexividade criado por Woody Allen. Este modo de reflexividade está relacionado com o procedimento fílmico que permite a existência de um objecto encaixado, dentro de uma obra maior, que reproduza detalhes ou acontecimentos desta. De uma forma mais simples, podemos referirmo-nos à temática do cinema dentro do cinema ou, se quisermos, ao processo de mise en abyme. No que diz respeito aos exemplos escolhidos, somos surpreendidos com o facto de ser a obra maior (Play it again, Sam) a reproduzir particularidades de um intertexto preexistente e bastante conhecido (Casablanca). Quer isto dizer que, na maioria dos casos, temos um filme menor, dentro de um filme maior, cuja função é a de reflectir pormenores ou situações da obra maior. No nosso caso, temos o objecto encaixado a ser responsável pela existência do filme em si.
Casablanca, que tem vindo a servir de inspiração a tantos outros filmes como, por exemplo, Gato Preto, Gato Branco de Emir Kusturica e Something's Gotta Give de Nancy Meyers, recebe o seu maior tributo nesta fita de Herbert Ross. Há uma clara intenção de conceber um objecto que sirva de espelho ao grande clássico. Todavia, não se pretende que este “espelho” reproduza um verdadeiro reflexo. O que se ambiciona é oferecer aos espectadores a oportunidade de assistir a uma perspectiva actual, marcada pela década de 70, do grande clássico. Aliás, é o próprio Bogart quem, ao som de “As Time Goes By”, refere “That was great! You really developed yourself a little style.”
Há, por parte de Woody Allen, o desejo de utilizar o seu argumento como forma de reacender e preservar a memória de Casablanca. Para alcançar este objectivo, mune-se de objectos cénicos, de uma personagem-fetiche e do seu conhecimento profundo sobre o filme de 1942. O resultado é evidente: Woody Allen conseguiu glorificar e imortalizar, numa primeira instância, o filme de Michael Curtiz e, numa última instância, a arte cinematográfica.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ola!
Sou frequentadora assídua deste blog e desde já peço muitas desculpas por ainda não ter escrito nada. Dou-te os meus Parabens pela forma clara como escreves.
Ainda não tinha escrito porque tenho um problema: muitas vezes não conheço os filmes de que falas e a minha única opinião é a que leio no teu blog.
Quando tive psicologia na faculdade, um dos temas abordados nas aulas foi “A promoção da saúde”. As professoras mostraram um trabalho muito interessante sobre cigarros no cinema. Entretanto lembrei-me que tu poderias falar no teu blog deste tema. Acho que é um tema muito interessante e que tem dado muito que falar. Vê o seguinte site que tem a evolução no tempo do cigarro no cinema.O site é http://www.cigarro.med.br/cap33.htm
Beijinhos
Sofia

Mafalda Azevedo disse...

Olá Sofia!
Muito obrigada pelo comentário e pela tua sugestão. Estive a ver o site e tenho pena que não exista uma única referência à Marlene Dietrich... O cigarro ajudou a construir toda a sua imagem de marca!
Um grande beijinho e não deixes de aparecer por aqui!