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No seu cinema perverso, Hitchcock sublinhava a graciosidade e a beleza das suas mulheres, as suas louras. Ou será exactamente o contrário? Como disse Truffaut numa cerimónia de homenagem ao realizador inglês nos Estados Unidos, no seu sotaque francês: "In this country, you love him because he shoots scenes of love like scenes of murder. In my country, we love him because he shoots scenes of murder like scenes of love".
E na subtileza da sua perversidade, "Hitch", para os americanos, ou então "Monsieur Hitchcock" para os franceses, por debaixo de cada vestido glamoroso, de cada penteado apanhado, e de cada olhar gelado, estava um desejo tremendo, um fervor carnal. Para elas como para os homens, que as seguem até ao fim, apesar de (falsas) suspeitas, dominados pelo seu instinto mais primário.
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"They are diamonds. Grab them"; numa noite após Grace Kelly se ter despedido de Cary Grant pela primeira vez, depois de um jantar insuportavelmente seco, e de um beijo totalmente surpreendente e escancarado à porta do seu quarto, e de nesse dia lhe ter perguntado, após uma pequena corrida de carro, o que preferia do seu cesto de almoço - "perna ou peito?".
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Eva-Marie Saint, sempre "à perna" de Cary Grant, como uma espia, ou talvez nem por isso, numa cena pouco própria - é ele quem acende, mas é ela que lhe pega na mão, antes de outra noite no comboio, ao furar um túnel, na última cena mais sexual de Hitchcock.
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Ingrid Bergman, mulher doente, como sempre foi, não pelo veneno que é ingerido, mas por Grant, a quem já não diz nada, e se entrega totalmente, para fugirem ambos, não para longe, mas para se aproximarem ainda mais na loucura, que roda à sua volta, tal como a câmara.
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Loucura também a de Stewart, já obsessiva e egocêntrica, como uma Vertigem, como o cabelo de Novak, o seu objecto, para além da vida, contra toda a morte, um desejo eternamente condenado.
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Tippi Hendren e os pássaros, o Mal que não vem de parte nenhuma, ou de todo o lado, o inexplicável, como o instinto, o da sua cor, do animal e o dela, um trauma por desfazer, na crueldade de olhares, na inconfidência da perversão, na violência da sua violação pelos pássaros (e por nós).
Na verdade, o critério de Hitchcock para a escolha das suas actrizes era simples: "que pareçam senhoras, senhoras em toda a acepção do termo, mas capazes de se tornarem putas na cama". Ou como ele via as "raparigas inglesas" - "com aquele ar de professora, é capaz de estar num táxi consigo e, para sua grande surpresa, atirar-lhe as mãos à braguilha".
2 comentários:
Louras... Referiste Kim Novak! Deixa-me acrescentar que a sua interpretação em Vertigo é das coisas mais espantosas que já vi no cinema. Juntamente com Janet Leigh (outra loura bombástica), a contracenar com Anthony Perkins nessa obra-prima intitulada Psycho, e Julie Andrews a fazer par com Paul Newman (um dos homens mais bonitos de sempre) em Torn Curtain.
Não tenho muito a dizer. O artigo faz total justiça ao génio do Hitchcock e essa sua particularidade.
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