
23 outubro 2007
22 outubro 2007
Negligências
Eu bem tento manter um ritmo de escrita coerente e dar ao Mise en Abyme a animação que ele merece. Mas não consigo. Há quem me acuse, e com razão, de ser uma "cinéfila desleixada" mas é mais forte do que eu. Não que a minha vida não continue a ser dedicada quase inteiramente ao cinema. E claro que gostaria de ter a ligeireza de outros e andar para aqui a partilhar todos os meus pensamentos com os leitores. Se assim fosse, podia dizer-vos que passei os últimos dias a digerir o artigo que o João Lopes escreveu na despedida da PREMIERE. Não simpatizo com o crítico e não tenho paciência para a sua faceta de argumentista mas fiquei contente de o ler sobre o The Good Shepherd que, tal como demonstrei aqui, é um grande filme. Também podia partilhar convosco que perdi a vontade de reflectir sobre o Fassbinder e o Bresson há mais de um ano e que, ultimamente, só me apetece reflectir sobre o Judd Apatow. Interessa-me o rumo da comédia, agradam-me aqueles actores. Fui ver o Knocked Up e senti-me tão bem. O cartaz do Eternal Sunshine, o ska dos Sublime, o power do Toxic, o "meu" Raymond. Aquilo também é o meu mundo.
Depois, no meio de todos estes pensamentos, vem o Carnivàle. Gostava de ter sido mais paciente. Palavra que sim. Gostava mesmo de ter sido mais organizada ao ponto de ver apenas um episódio por dia, ou por semana. Assim, prolongaria por mais tempo o prazer único que é ver uma série extraordinária. Agora, bebendo tudo de forma sôfrega, sinto-me só. Sem eles. Refiro-me aos freaks, à mulher com barba da canção da Adriana Calcanhotto - Com o que será que sonha A mulher barbada?. Terra e mais terra, poeira, vento, trabalhar sem ganhar um tostão. Viver dia a dia, temos de cumprir o código. Sem o código não nos sobra nada.
E ainda podia escrever que aquilo que me apetece mesmo é faltar ao trabalho e enfiar-me no cinema a ver os novos filmes do Christophe Honoré e do Robert Rodriguez e até mesmo os Fados do Saura. Mas enfim. Talvez não tenha feitio para partilhar pensamentos. Se calhar, a vida do Mise en Abyme está a chegar ao fim. Vou ter com a Shirley MacLaine e perguntar-lhe o que ela acha.
E ainda podia escrever que aquilo que me apetece mesmo é faltar ao trabalho e enfiar-me no cinema a ver os novos filmes do Christophe Honoré e do Robert Rodriguez e até mesmo os Fados do Saura. Mas enfim. Talvez não tenha feitio para partilhar pensamentos. Se calhar, a vida do Mise en Abyme está a chegar ao fim. Vou ter com a Shirley MacLaine e perguntar-lhe o que ela acha.
09 outubro 2007
She's lost control
Confusion in her eyes that says it all.
She's lost control.
And she's clinging to the nearest passer by,
She's lost control.
And she gave away the secrets of her past,
And said I've lost control again,
And a voice that told her when and where to act,
She said I've lost control again.
And she turned around and took me by the hand and said,
I've lost control again.
And how I'll never know just why or understand,
She said I've lost control again.
And she screamed out kicking on her side and said,
I've lost control again.
And seized up on the floor, I thought she'd die.
She said I've lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
Well I had to 'phone her friend to state my case,
And say she's lost control again.
And she showed up all the errors and mistakes,
And said I've lost control again.
But she expressed herself in many different ways,
Until she lost control again.
And walked upon the edge of no escape,
And laughed I've lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
Joy Division
She's lost control.
And she's clinging to the nearest passer by,
She's lost control.
And she gave away the secrets of her past,
And said I've lost control again,
And a voice that told her when and where to act,
She said I've lost control again.
And she turned around and took me by the hand and said,
I've lost control again.
And how I'll never know just why or understand,
She said I've lost control again.
And she screamed out kicking on her side and said,
I've lost control again.
And seized up on the floor, I thought she'd die.
She said I've lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
Well I had to 'phone her friend to state my case,
And say she's lost control again.
And she showed up all the errors and mistakes,
And said I've lost control again.
But she expressed herself in many different ways,
Until she lost control again.
And walked upon the edge of no escape,
And laughed I've lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
Joy Division
08 outubro 2007
Londres - terceiro filme

O Francisco tem muita razão quando refere que Control (2007) é um filme brilhante. Acabo de o ver, num cinema de bairro, em plena Baker Street.
O trabalho interpretativo de Sam Riley não me sai da cabeça. Movimentos de braços tão soltos, tão sinceros. Olhos tristes, constantemente molhados. Uma cabeça que não pára de sofrer. Um corpo em constante colapso. Uma incapacidade de lutar contra os desaires da vida, um medo tão grande de não conseguir suportar. Um filme espantoso. Perfeito desde o princípio até ao fim. É claro que esta película é também um tributo a Ian Curtis e aos Joy Divison, vindo de quem os acompanhou durante a sua curta existência. E tudo a preto e branco, como convém. Ninguém me tira da cabeça que a vida é mais bonita a preto e branco.
Imprescindível.
Imprescindível.
02 outubro 2007
Londres - segundo filme

Esta manhã fui acordada por uma senhora do Paraguai. Entrou pelo quarto adentro e disse-me "Muy linda! Eyes very beautiful!". Levantei-me completamente estremunhada e lembrei-me da empregada do Paris, Texas que tenta ajudar o protagonista a vestir-se como um "pai rico". Fui até à janela e chovia. Por uma vez, não me apeteceu enfrentar a chuva. Fiquei aqui dentro quentinha, no meio de Marylebone, a um passo da rua do Sherlock Holmes.
Peguei no segundo filme que trouxe comigo, o já citado Paris, Texas (1984) de Wim Wenders, e deixei-me ficar. É sempre tão engraçado rever Dean Stockwell - o senhor da minha infância que viajava pelo tempo em Quantum Leap.
Desta vez, sofri muito a ver o filme de Wenders. A beleza perdida de Nastassja Kinski, o medo de Harry Dean Stanton e, uma vez mais, a Família. Num tom e tempos tão certos, tão deliberadamente verdadeiros, dando espaço para que as personagens se manifestem. Um filme sobre a Dor mas também sobre o Amor enquanto é sinónimo de felicidade.
30 setembro 2007
Londres - primeiro filme
Um dos filmes que trouxe na mala de viagem foi O Verão de Kikujiro (1999) de Takeshi Kitano, o mais japonês dos cineastas japoneses. Tinha-o lá em casa, numa espécie de lista de espera para ser visto. Nem sei por que motivo demorei tanto a vê-lo. É um excelente filme. E que excelente escolha estrutural para fazer um filme: transformá-lo num livro de imagens em que o autor é uma criança com asas de anjo.
Masao é um rapaz que vive sozinho com a avó em Tóquio. Não tem pai e só conhece a mãe através de fotografias. Numa tarde de férias, decide procurá-la sem dizer nada à avó e acaba por ser escoltado por um homem chamado Kikujiro (Takeshi Kitano). Uma excursão às corridas de bicicleta é a primeira aventura deste road movie que, como o próprio realizador refere, combina comédia e timidez. No fim, Masao e Kikujiro descobrem que têm muito mais em comum do que parecia e os espectadores aproveitam, espero que aproveitem, para reflectir sobre as relações entre personagens e sobre o conceito de Família.
(Já sabemos que a pessoa e a sociedade são formadas e estruturadas a partir da Família. Mas que Família é essa? Uma Família que nasce de uma relação estável e livre entre um homem e uma mulher, dentro da qual os filhos são gerados e educados? Ou poderá a nossa Família ser constituída por um homem que se conheceu por mero acaso e que transformou a nossa vida?)
P.S. É inevitável referir que Kikujiro era o nome do pai do próprio realizador.
P.S.1 Já o tenho!
28 setembro 2007
26 setembro 2007
Anatomia de Grey

Katherine Heigl
A série televisiva aborrece-me. Não gosto daquelas trocas e baldrocas e daqueles finais a pedir a lágrima ao canto do olho. Eu cá sou mais Black Adder, Fawlty Towers, 24, Seinfeld, Everybody Loves Raymond, Family Ties, Sex and the City e, claro, Carnivàle. Muito em breve, publicarei a minha apreciação sobre esta série de culto que não apresenta fim. Mas, por agora, voltando a Katherine Heigl, quero homenageá-la aqui, assim como já homenageei tantas outras actrizes novinhas e liliputianas, na esperança de que venha a dar muito* ao Cinema.
* Por exemplo, destronar a soberania de Charlize Theron cuja expressividade não é muito diferente da elegância de uma alface.
25 setembro 2007
Para o Guido Anselmi
"Talvez não saiba, mas é uma bênção podermos tornar-nos amigos dos nossos pais. Porque, se eles desaparecerem antes de compreendermos que eles são seres humanos, antes que possamos travar-nos de amizade com eles, eles manter-se-ão personagens toda a nossa vida. E, na nossa existência, haverá sempre algo que ficou por resolver."
Ingmar Bergman, em entrevista a Olivier Assayas e Stig Björkman em Março de 1990, parcialmente reproduzida no número especial dedicado pela revista Cahiers du Cinéma a Bergman e Antonioni.
11 setembro 2007
10 setembro 2007
E acabou agora...
O MOTELx disse adeus com um filme bucólico da Nova Zelândia e promete voltar para o ano.
Observação: Todos os apreciadores de Terror que não estiveram no MOTELx merecem ser devorados por ovelhas assassinas.
Observação: Todos os apreciadores de Terror que não estiveram no MOTELx merecem ser devorados por ovelhas assassinas.
09 setembro 2007
Death Proof
Deixei passar o burburinho, recusei-me a ler a enchente de críticas e só ontem lá fui, calma e serena, assistir ao último filme de Tarantino. No fim, o público bateu palmas, tal e qual como num festival. E havia muitas razões para isso. Este Death Proof, a parte realizada por Quentin Tarantino do projecto Grindhouse co-assinado por Robert Rodriguez, é muitíssimo divertido e muitíssimo bem filmado. Uma farra cinéfila, poder-se-ia mesmo dizer. A mim, que tenho as minhas musas e não as consigo abandonar, comoveu-me que Death Proof também seja um hino às mulheres. E isso sabe tão bem. Não me venham com conversas sobre misoginia e machismo. Quentin Tarantino é um verdadeiro apreciador do sexo feminino. Gosta de musas transcendentes como Uma Thurman e também gosta de mulheres verdadeiras, com celulite nas coxas e gordura na barriga. É obcecado por pés mas também se detém a observar cabelos, pernas, curvas e acessórios. Contempla as mulheres, dá-lhes tempo de antena e filma-as demoradamente a falar de banalidades da mesma forma que as filma, perfeitas e violentas, a arrasar com Kurt Russell.
E quanto aos outros que escrevem sobre falta de originalidade, retalio com uma única frase: obrigada Tarantino por continuares a perder tempo com mulheres autênticas.
E quanto aos outros que escrevem sobre falta de originalidade, retalio com uma única frase: obrigada Tarantino por continuares a perder tempo com mulheres autênticas.
06 setembro 2007
E começou ontem
Foi um sucesso, um verdadeiro acontecimento cultural. 800 pessoas dirigiram-se até ao São Jorge para assistirem à sessão de abertura do MOTELx. Aqui ficam os textos que escrevi para os filmes de ontem. Espero que sirvam para vos aguçar o apetite.
Sangue sobre vermelho (2006)
Portugal, 12’, Cor
Realizador – Pedro Baptista
Personagens principais – Pai (João Urbano), Avó (Urbana Conceição Jesus), Mariana (Ana Raquel Ramos) e Caçador (António Garcia).
Fotografia – Rui Poças
Montagem – Pedro Baptista
Mariana, uma moderna Capuchinho Vermelho, vive com a avó e teme os comportamentos sombrios do pai.
Rui Poças, director de fotografia de filmes tão díspares como Odete (2005), A Cara que Mereces (2004) ou Pesadelo cor-de-rosa (1998), assina a fotografia desta curta-metragem filmada numa casa de xisto, algures na vila de Arganil.
The American Nightmare (2000)
Estados Unidos da América, 73’, Cor
Realizador – Adam Simon
Com a participação de George Romero, Wes Craven, Tom Savini, Tobe Hooper, David Cronenberg e John Carpenter.
Fotografia – Immo Horn
Montagem – Paul Carlin
Os Estados Unidos da América em 1968. O ano em que os americanos testemunharam os assassinatos de Martin Luther King e de Robert Francis Kennedy; o ano em que o povo americano continuou impossibilitado de lutar contra a matança na guerra do Vietname; o mesmo ano em que George Romero conclui Night of the Living Dead.
Os Estados Unidos da América em 1972. A fotografia de uma criança nua a fugir aterrorizada de um bombardeamento de napalm torna-se capa das principais publicações nos Estados Unidos da América e no mundo inteiro; Wes Craven apresenta The Last House on the Left.
Portugal, 12’, Cor
Realizador – Pedro Baptista
Personagens principais – Pai (João Urbano), Avó (Urbana Conceição Jesus), Mariana (Ana Raquel Ramos) e Caçador (António Garcia).
Fotografia – Rui Poças
Montagem – Pedro Baptista
Mariana, uma moderna Capuchinho Vermelho, vive com a avó e teme os comportamentos sombrios do pai.
Rui Poças, director de fotografia de filmes tão díspares como Odete (2005), A Cara que Mereces (2004) ou Pesadelo cor-de-rosa (1998), assina a fotografia desta curta-metragem filmada numa casa de xisto, algures na vila de Arganil.
The American Nightmare (2000)
Estados Unidos da América, 73’, Cor
Realizador – Adam Simon
Com a participação de George Romero, Wes Craven, Tom Savini, Tobe Hooper, David Cronenberg e John Carpenter.
Fotografia – Immo Horn
Montagem – Paul Carlin
Os Estados Unidos da América em 1968. O ano em que os americanos testemunharam os assassinatos de Martin Luther King e de Robert Francis Kennedy; o ano em que o povo americano continuou impossibilitado de lutar contra a matança na guerra do Vietname; o mesmo ano em que George Romero conclui Night of the Living Dead.
Os Estados Unidos da América em 1972. A fotografia de uma criança nua a fugir aterrorizada de um bombardeamento de napalm torna-se capa das principais publicações nos Estados Unidos da América e no mundo inteiro; Wes Craven apresenta The Last House on the Left.
Ao mesmo tempo que a América tentava ultrapassar uma sucessão de pesadelos que acabou por durar vinte anos, dois realizadores estreavam as suas primeiras obras cinematográficas. Jovens, rodeados por uma nação sofrida e revoltada, George Romero e Wes Craven iniciavam-se nas lides que os tornariam Mestres do Terror. E não estavam sozinhos. Aquela foi também a época de arranque para Tom Savini, actor e especialista em efeitos especiais; Tobe Hooper, realizador de The Texas Chain Saw Massacre; David Cronenberg, realizador do clássico A Mosca e John Carpenter, responsável por Halloween.
Todos eles partilhavam os Estados Unidos da guerra, da brutalidade e da inutilidade dos bombardeamentos aéreos, dos hippies contra a violência e adeptos do amor livre, do Festival de Woodstock de 1969, das insurreições estudantis, dos milhares de jovens que se negaram a servir no exército, das revoltas feministas, do discosound e do american dream do final dos anos 70 que viria a dar lugar a uma geração de yuppies.
Todos partilhavam as mesmas memórias cinematográficas, todos faziam vénias a personagens como o lobisomem e a actores como Bela Lugosi. E agora, graças a este documentário, The American Nightmare, todos eles estão ali mesmo à nossa frente, com as idiossincrasias à flor da pele. É a possibilidade, enquanto espectadores devotos, de conviver com os grandes óculos de massa de George Romero, com os olhos pequenos mas tão intensos de David Cronenberg e com a fotografia de Tom Savini em plena guerra. Mais do que isso, é a oportunidade de rever sequências de clássicos como Shivers ou Dawn of the Dead e de compreender a devastidão que cercou aqueles que, nas palavras de Tom Savini, sempre gostaram de assustar os outros e que acabaram por viver as mais reais e assustadoras situações. Aqueles que, muito provavelmente, escolheram o Cinema de Terror para reflectir sobre o seu próprio medo.
04 setembro 2007
Paul Celan
Fuga da morte
Leite negro da madrugada bebemo-lo ao entardecer
bebemo-lo ao meio-dia e pela manhã bebemo-lo de noite
bebemos e bebemos
cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
escreve e põe-se à porta da casa e as estrelas brilham
assobia e vêm os seus cães
assobia e saem os seus judeus manda abrir uma vala na terra
ordena-nos agora toquem para começar a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
Os teus cabelos de cinza Sulamith cavamos um túmulo nos ares
aí não ficamos apertados
Ele grita cavem mais fundo no reino da terra vocês aí e vocês
outros cantem e toquem
leva a mão ao ferro que traz à cintura balança-o azuis são os seus
olhos
enterrem as pás mais fundo vocês aí e vocês outros continuem
a tocar para a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia e pela manhã bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith ele brinca com as serpentes
E grita toquem mais doce a música da morte a morte é um mestre
que veio da Alemanha
grita arranquem tons mais escuros dos violinos depois feitos fumo
subireis aos céus
e tereis um túmulo nas nuvens aí não ficamos apertados
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia a morte é um mestre que veio da Alemanha
bebemos-te ao entardecer e pela manhã bebemos e bebemos
a morte é um mestre que veio da Alemanha azuis são os teus olhos
atinge-te com bala de chumbo acerta-te em cheio
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
atiça contra nós os seus cães oferece-nos um túmulo nos ares
brinca com as serpentes e sonha a morte é um mestre que veio
da Alemanha
os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith
Paul Celan, Sete rosas mais tarde, Cotovia, 2006
Tradução de João Barrento
Leite negro da madrugada bebemo-lo ao entardecer
bebemo-lo ao meio-dia e pela manhã bebemo-lo de noite
bebemos e bebemos
cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
escreve e põe-se à porta da casa e as estrelas brilham
assobia e vêm os seus cães
assobia e saem os seus judeus manda abrir uma vala na terra
ordena-nos agora toquem para começar a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro
Margarete
Os teus cabelos de cinza Sulamith cavamos um túmulo nos ares
aí não ficamos apertados
Ele grita cavem mais fundo no reino da terra vocês aí e vocês
outros cantem e toquem
leva a mão ao ferro que traz à cintura balança-o azuis são os seus
olhos
enterrem as pás mais fundo vocês aí e vocês outros continuem
a tocar para a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia e pela manhã bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith ele brinca com as serpentes
E grita toquem mais doce a música da morte a morte é um mestre
que veio da Alemanha
grita arranquem tons mais escuros dos violinos depois feitos fumo
subireis aos céus
e tereis um túmulo nas nuvens aí não ficamos apertados
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia a morte é um mestre que veio da Alemanha
bebemos-te ao entardecer e pela manhã bebemos e bebemos
a morte é um mestre que veio da Alemanha azuis são os teus olhos
atinge-te com bala de chumbo acerta-te em cheio
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
atiça contra nós os seus cães oferece-nos um túmulo nos ares
brinca com as serpentes e sonha a morte é um mestre que veio
da Alemanha
os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith
Paul Celan, Sete rosas mais tarde, Cotovia, 2006
Tradução de João Barrento
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