28 dezembro 2005

O carnal em Kubrick



Reconhecido pelo perfeccionismo e pela criatividade que confere aos filmes, Stanley Kubrick será igualmente relembrado pela carnalidade das suas obras.
No princípio da década de 60, Kubrick sujeitou-nos à promiscuidade assumida de uma Lolita de apenas 12 anos, recuperada através das páginas de Vladimir Nabokov. Depois de Lolita, cerrámos os olhos face à sexualidade violenta de A Clockwork Orange. As notas de Beethoven a funcionarem como um hino à libertação física e sexual.
Anos depois, em 1975, ficámos extasiados com Barry Lyndon. Obra-prima pontuada pela aguda ironia com que o narrador nos vai contando as proezas e os fracassos do protagonista. Começando por ser um jovem ingénuo, Barry Lyndon vai multiplicando os seus encantos. De cenário em cenário, a câmara de Kubrick filmou-o a seduzir e a saborear mulheres.
Já na década de 80, chegou-nos The Shining, épico de terror. Mais uma vez, a câmara de Kubrick rompeu convenções, entrou numa casa-de-banho e filmou a tensão física entre Jack Nicholson e uma bela mulher que se transforma num ser horrendo. 19 anos depois, recebemos a notícia da morte do realizador e a estreia de Eyes Wide Shut, o mais incompreendido dos filmes de Kubrick. Aqui, a infidelidade conjugal oscilou entre os limites do real e do imaginário.
Durante mais de quarenta anos, a genialidade de Kubrick também se deteve nas fraquezas e nas atracções entre homens e mulheres. Agora, quase a chegarmos ao fim de 2005, o Mise en Abyme homenageia novamente um dos maiores realizadores de sempre.

10 comentários:

Anónimo disse...

Até agora tenho tido sempre este blogue em boa conta, mas daqui para a frente respeitá-lo-ei como nenhum outro. Stanley Kubrick no Mise En Abyme é quase uma dádiva dos céus, ou provavelmente algo esperado há muito por mim. Talvez um pouco de ambos.

É sem dúvida uma marca muito viva na obra do realizador de Nova Iorque, a carnalidade.

Lembro-me do meu pai, pessoa que me suscitou o interesse pelo realizador, me contar que aquando da estreia do Clockwork Orange houve colegas seus que correram a Paris para ver o filme. Obviamente, um filme daqueles jamais seria exibido debaixo dum estado pouco democrático e conservador como o era o nosso em 1971.

Ainda sobre o carnal em Kubrick, não esquecer Full Metal Jacket, por muitos considerado o melhor filme sobre a Guerra do Vietname. No entanto, ali nem tudo é guerra como na guerra nem tudo são tiros. Há uma leve carnalidade, não tão enaltecida como nos referidos no post, nos dois momentos em que soldados discutem com elementos da população local o preço de uma prostituta como se se tratasse dum tapete.
Claro que o carnal no Full Metal Jacket pode ser simplesmente a forma como os soldados são "carne para canhão" e nesse aspecto é o filme em si mesmo, brilhante e completamente "Kubrickesto".

Continuando no carnal, Eyes Wide Shut. Fenomenal. Incompreendido e assim continuará por longos anos. Mas estou certo que quando se inserir numa categoria sua, será o melhor dela. Tal como o 2001: A Space Odyssey é considerado na ficção-científica, o Shining no terror e assim por diante.

Podia dizer milhentas coisas mais sobre cada um dos filmes referidos, mas vou deixar isso para novas oportunidades no Mise En Abyme. Também não me convém dizer demasiado sobre a obra do Kubrick, uma vez que como grande admirador me torno suspeito daquilo que possa dizer.

Quero deixar, igualmente, claro que ele não é nas minhas palavras é um grande génio por eu ser um admirador seu, mas sim eu é que sou um grande admirador da sua obra pelo aquilo que ela é.

Mafalda, muito obrigado por este pedacinho Kubrick. Ainda na obra dele, mas fora do carnal, recomendo: Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (1964), humor muito inteligente. Depois falaremos sobre ele.

Abraços e beijinhos.

Daniel Pereira disse...

Um pouco fora da ideia do post, mas algo irresistível que descobri há pouco tempo ao folhear uma Film Comment (já com alguns anos) e que quero partilhar. Boato ou não cá vai a citação de Michael Herr que está no artigo:

«(...)Stanley Kubrick watching the film ["The Godfather" (1972), de Francis Ford Coppola] again and "reluctantly suggesting for the tenth time that it was possibly the greatest movie ever made".»

Para mim, sendo Kubrick, talvez, o cineasta que mais admiro e "The Godfather" uma hipótese para meu filme preferido de sempre, esta afirmação mexeu comigo. Não sei se mexerá convosco, mas a partilha está feita.

Francisco Valente disse...

Com todo o respeito pelo génio de Kubrick, antes do Godfather está Il Gattopardo, e não falo em termos de "the greatest movie ever made".

Anónimo disse...

Picasso, Pelé, Michael Jordan, Marlon Brando, Pete Sampras, Steffi Graff, Shakespeare, Cartier Bresson, Claudia Schiffer, Sócrates... Kubrick!?!

Bjs

Hugo disse...

A genialidade de Kubrick para mim é mais do que total em 3 momentos: Dr. Strangelove, Clockwork orange e, claro, 2001: a space odissey.

Aliás, estes dois últimos títulos são exemplos maiores do quão belas e frutuosas podem ser as relações entre o Cinema e a Literatura. Dois mundos tão ldistantes e tão próximos, bem vistas as coisas...

a propósito da carnalidade na obra dos cineastas relembro um nome: Bernardo Bertolucci, o homem que não resiste a por corpos ao léu no ecrã e que, desde "the last emperor", parece andar à deriva no mundo do cinema...

Aliás, pode ser defeito meu, mas também acho que o Eyes Wide Shut é uma obra menor de Kubrick (muito menosprezado é certo, mas não há fumo sem fogo...)

Acima de tudo, Kubrick tem o dom de ser um provocador e agitador de consciências: ainda não conheci ninguém que ficasse indiferente a um filme de Kubrick. Creio que essa sim é a marca indelével da genialidade.

Dúvida: será que Kubrick encaixava no conceito de neo-abjeccionista do nosso Luiz Pacheco? Dr. Strangelove, quase de certeza, que encaixa no conceito, tal como muitos dos outros filmes de Kubrick...(o neo-abjeccionismo é uma das minhas últimas cismas. Faço desde já o mea culpa...)

Ricardo disse...

Concordo com tudo o que o pessoal disse. Mas ainda falaram pouco do Barry Lyndon, que a Mafalda comentou, e bem.

Para mim, esse filme é uma obra-prima menos polémica, mas extremamente reveladora, com uma composição pictórica que não parece ser do nosso mundo. Aquela imagem quase holandesa, aquela Marisa Berenson, aquela música...

Mafalda Azevedo disse...

É verdade! Barry Lyndon é uma lição de cinema para qualquer aspirante a realizador e para qualquer pessoa que goste de ver bons filmes. Toda a concepção cénica é perfeita. (E que pormenores!)

Miguel Domingues disse...

Acho curiosa a forma como o Barry Lyndon está a ser reavaliado, o que, a meu ver, está dentro de um certo reavivar de tudo o que não é Laranja Mecânica, 2001 ou The Killing. Ou seja, o resto da obra de Kubrick parece-me cada vez mais liberto do canónico.

Posto isto, creio que Barry Lyndon é uma interessante rima interna com Eyes Wide Shut. São, no fundo, histórias de manipulação com o sexo como pano de fundo, onde ambas as componentes adquirem um tipo de violência surda imparável.

Exemplo: comparar o olhar de Barry perante o marido da sua desejada prestes a ser envenenado com os olhares que Kidman lança a Cruise depois de revelar a quase-traição.

É disto que se fazem grandes realizadores.

Bom ano, Mafalda!

Take Care

Anónimo disse...

Kubrick tem um único filme genial: «Lolita». Tudo o mais são tentativas (falhadas) de aproximação a esse pico. E em «Lolita» o destaque concedido a Shelley Winters (que morreu há 2 ou 3 dias) é decisivo para a grandeza do filme.

Mafalda Azevedo disse...

Bom dia Fritz Lang!

Para ser honesta, a minha Lolita preferida será sempre a de Vladimir Nabokov. Nem Adrian Lyne, cuja tentativa de recriar Lolita foi um autêntico desaste, e nem mesmo Stanley Kubrick conseguiram filmar um terço da perversidade que Nabokov escreveu.
Todavia, o filme de Kubrick tem momentos da mais pura genialidade. (E nem falo dos óculos de sol... Sempre preferi o plano da máquina de escrever!)
Até breve.