19 maio 2005

O Rapaz que era Homem, o Homem que era Rapaz



Antoine Doinel, Jean-Pierre Léaud, François Truffaut, trinta por uma linha. O realizador que tinha atacado praticamente toda a "classe cineasta" francesa da altura, e apontado o caminho pela chamada escola "Hitchcocko-Hawksiana", surge com Les Quatre Cents Coups em 1959, ano mágico de estreia da Nouvelle Vague. E de odiado e desprezado, passa para amado.
Aqui vemos Paris como nunca tinha sido filmada, uma infância como nunca tinha sido testemunhada, por movimentos rápidos, conscientes de uma visão, olhares adultos por uma criança em fuga, da escola, da mãe, dos outros.
Essa consciência, esse toque instintivo de Truffaut, viria a ser a marca de um cinema, aqui, o seu, totalmente apresentado aos nossos olhos, conquistando-nos pela fuga que não é culpa (as corridas de Doinel do seu mundo ingenuamente, ou não tanto, adulto), pela experiência que não é evitável, pela fantasia que não se agarra.
Na cena clássica da conversa-entrevista com a psicanalista, uma das mais comoventes da História, vemos Doinel/Léaud/Truffaut a confessar-nos directamente todo o filme, todo o seu próprio cinema, tal como um adulto, tal como o é na realidade. Comovente tal como o gesto à saída da sala de cinema, levando consigo a fotografia de Mónica e o Desejo.
E a inocência que se perde, tal como a vela que arde e incendeia Balzac, é a que já não pode voltar no último plano do filme, no olhar confessional sem retorno, sem conciliação. Tudo mudaria para sempre.
Assim era Truffaut, nunca pedindo a reconciliação, sempre filmando na vida, espelhada no ecrã, e tocando-nos a todos, fazendo Les Quatre Cents Coups. O cinema, por uma vez, deixava de ser ilusão.

1 comentário:

Anónimo disse...

sou leitor assíduo do vosso blog e admirador incondicional das análises e comentários do f., sempre certeiros e profundos agarrando o essencial dos filmes.
em boa hora vocês decidiram cobrir o ciclo truffaut da cinemateca.
duas palavras apenas para comungar com vocês da admiração por esse grande realizador.
por irónico que pareça fez o percurso ao contrário, isto é , a sua obra prima é dos primeiros filmes que realiza, não é uma obra de maturidade e em nenhuma outra viria a alcançar o mesmo brilho, salvo talvez no fim, em le derner métro. o que é notável neste magnifico contador de histórias é que as suas obras não envelhecem. não há em les 400 coups uma ruga que seja. mantém a frescura do acto de criação.
o moderno cinema europeu ,tal como o conhecemos hoje ,também nasceu aqui. e o também é a justa concessão que temos de fazer aos cineastas italianos ,que à época, estavam também, por seu lado, empenhados no "rissorgimento" da arte cinéfila.