02 junho 2008

Da condição de ser mulher


Poder-se-ia afirmar, sem receio de um possível equívoco, que a Mulher tem sido mal habituada por gente como Quentin Tarantino. Insistindo, e bem, num processo de recontextualização de actores, Tarantino começou por servir-se da sua musa, Uma Thurman, para elevar a Mulher à condição de heroína, quase de Super-Heroína.
As vencedoras de Tarantino são capazes de tudo. Aniquilam a morte como em Pulp Fiction e Kill Bill, conseguem aquilo que nem o próprio Scarface conquistou ao derrotarem bandos armados e, como se nada fosse, pontapeiam a máquina mortífera presente em Death Proof.
Ora, serve esta introdução para demonstrar a eventual estranheza que as espectadoras, habituadas à vassalagem de Tarantino, sentiram ao verem Caramel. O filme libanês, ao contrário das películas referidas, reflecte justamente sobre as fragilidades que advêm do facto de se ser Mulher.
Construído em alicerces de amizade sólida, Caramel vigia as funcionárias de um cabeleireiro bolorento e as donas de uma casa de costura. Sem princípio nem fim, a câmara testemunha semanas daquelas vidas e depois, sem qualquer satisfação, abandona-as e deixa-as entregues aos seus destinos.
A personagem mais interessante, do ponto de vista da fraqueza feminina, mais especial do que a humilhada ou a temerosa, é a actriz de anúncios, mãe de dois filhos, obcecada pela juventude e pela menopausa que não aceita.
Contrariando a imagem da tal Super Mulher de que falávamos, esta esconde-se em operações, adesivos e penteados, fazendo-nos reflectir sobre algo que andava esquecido: os homens, de uma forma geral, mesmo que tenham sido míticos na juventude, conseguem envelhecer saudável e naturalmente. Repare-se, por exemplo, na naturalidade com que Sean Connery, Harrison Ford e até George Clooney surgem em público, orgulhosos das suas cãs; ou na nitidez com que as rugas destes aparecem na televisão e nas capas de revistas.
A personagem de Caramel talvez não venha a compreender a dimensão da sua fraqueza. Provavelmente, desconhece o caso de Liv Ullmann que não recorreu a operações por ter curiosidade de se ver em velha. Mas enfim. Mesmo que aquela personagem não venha a aceitar a sua condição, as espectadoras portuguesas já ganharam, e muito, com a possibilidade de se reverem em Caramel. Sem super poderes, apenas humanas e irresistíveis.

4 comentários:

Concha disse...

É isso mesmo, foi exactamente esta realidade que me fez gostar tanto deste filme. E quem diria que as libanesas eram tão giras?!

Mafalda Azevedo disse...

Podes crer...

:-)

juliette disse...

Estou eu a voltar do almoço, depois de uma ida à Fnac, contente e leve porque finalmente saiu o DVD do Caramel, e eu já não vejo o filme desde que estreou no cinema e tenho saudade "delas", quando venho fazer a ronda pelos "meus" blogues, e dou com isto.
Há dias assim. Em sintonia. =)*

Mafalda Azevedo disse...

Dear Juliette,

Os teus comentários são sempre reconfortantes… Muito obrigada.

Assim vale a pena!