27 junho 2008

Vizinhança

Foi há uns dias que dei por mim a desconfiar destes londrinos, sempre tão respeitadores e metódicos. Um povo que insiste na libra, na condução à esquerda e nas tomadas com três pinos, tem de guardar uns quantos podres no armário.
Com esta convicção na manga, dei início às lides de Mata Hari, qual James Stewart, no clássico Rear Window. Por detrás destas janelas, escondiam-se a minha cabeça e o meu olho de lince, sempre prontos a espiar os vizinhos. E, por falar em vizinhos, lembram-se da série Neighbours, com a Kylie Minogue? (Neighbours, everybody needs good neighbours…)
Mas enfim, nada de desvios que o assunto é sério.

Depois de ter deixado de lado o casal turtle-frog, projectei toda a minha habilidade de espionagem num homem novo, sempre de manga cava, que, todas as manhãs, entrava no seu Ferrari encarnado, com a matrícula Kiss Red, e dava umas valentes aceleradelas. Ritual estranho, não? Sentava-se, acelerava e voltava para casa. Ali havia gato.
E foi então, numa bela tarde com jogo do EURO à vista, que o mistério se desvaneceu. O nosso amigo, como habitualmente, dirigiu-se até ao carro, abriu a porta e, horror dos horrores, colocou uma bandeira portuguesa no vidro. Era português, tinha um Ferrari e usava manga cava. Demorei muito tempo a recompor-me de tamanho pavor.
Agora, depois de Portugal ter sido eliminado, o meu vizinho continua a acelerar. No entanto, mudou de carro. O Kiss Red desapareceu e deu lugar a este magnífico “el” Toro.

24 junho 2008

Cool Hand Luke - II

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He was smiling... That's right. You know, that, that Luke smile of his. He had it on his face right to the very end. Hell, if they didn't know it 'fore, they could tell right then that they weren't a-gonna beat him. That old Luke smile. Oh, Luke. He was some boy. Cool Hand Luke. Hell, he's a natural-born world-shaker.

Azul pronuncia-se como Paul Newman

Cool Hand Luke (1967)

20 junho 2008

Trivialidades londrinas



1) Primark – a loja de roupa para mulheres rijas

Quarenta minutos para entrar num provador e mais trinta minutos à espera de chegar a uma caixa de pagamento. Isto, claro, sem contar com o tempo em que se anda de um lado para o outro, aos encontrões, solavancos e tropeções, a examinar a imensa variedade de roupas e acessórios.
As crianças choram, os homens bufam e as mulheres, zonzas no meio de tanta desordem, experimentam bikinis e saias à frente de toda a gente. É o vale tudo. Seja fim-de-semana ou dia de trabalho. Seja de manhã ou de tarde. Conta-se que até já houve pancadaria entre fêmeas.
Vale a pena o sacrifício? Sem dúvida. Primark é a loja mais barata de sempre. Ainda mais acessível do que a Bershka ou a Zara de Lisboa.


2) Camden – o bairro cool

Pessoas diferentes, sons originais e odores desconhecidos. Entra-se em Camden e está-se num mundo à parte. Nunca se viu tanto arrojo, originalidade e bom gosto num só espaço.


foto © Miss Wasted Blues

foto © Miss Wasted Blues



foto © Miss Wasted Blues


foto © Miss Wasted Blues


foto © Miss Wasted Blues



foto © Miss Wasted Blues



foto © Miss Wasted Blues
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3) Forbidden Planet – o cinema transformado em merchandise

O Mise en Abyme foi lá e não resistiu a trazer este brinquedo. Basta carregar nos botões e ouvem-se seis frases diferentes do épico Reservoir Dogs. E há aparelhos iguais de filmes tão díspares como Dirty Dancing ou Scarface (Say hello to my little friend!).
Ideal para utilizar quando a nossa casa for assaltada, à lá Macaulay Culkin no Sozinho em Casa.

17 junho 2008

Singularidades


O Mise en Abyme estreou-se finalmente no universo de Darren Aronofsky. A escolha recaiu em Pi de 1998. O filme, conotado como um dos mais originais das últimas décadas, rima muito com o universo de David Cronenberg. Não só pela proeminência de insectos, mas também pela sujidade intrínseca ao filme. Não que isto retire qualidade à película de Aronofsky, cuja estética a preto e branco escapa, por vezes, ao contraste e à luminosidade, confundindo e dominando o espectador.
Max Cohen, um génio que alimenta o desejo de compreender a realidade através da matemática, sofre de transtornos compulsivos e de dores de cabeça insuportáveis. Tendo construído um computador em casa, que protege religiosamente através de várias fechaduras, Max vive com a certeza de que alcançará aquilo que o seu mestre, Sol Robeson, não foi capaz de alcançar.

O argumento de Pi, aqui resumido em poucas linhas, é de um interesse atroz e poderia ter sido desenvolvido em redor do protagonista – narrador e das personagens que lhe são próximas. Todavia, Darren Aronofsky caiu no erro de subvalorizar a essência de Max e acrescentou beatos e agiotas à sua narrativa, contribuindo assim para um despropósito bem menos credível do que as paranóias do génio.
Do mal, o menos. As últimas sequências, de uma beleza inspiradora, em que Max transparece paz de espírito e convive, sem hesitações, com uma mulher e uma criança, contrastando inteligentemente com as cenas brutais do cérebro e do berbequim, são dignas de aclamação.

16 junho 2008

14 junho 2008

Sentido de vida

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BALADA DA RITA

Disseram-me um dia, Rita (põe-te em guarda)
aviso-te, a vida é dura (põe-te em guarda)
cerra os dois punhos e andou (põe-te em guarda)
e eu disse adeus à desdita
e lancei mãos à aventura
e ainda aqui está quem falou

Galguei caminhos-de-ferro (põe-te em guarda)
palmilhei ruas à fome (põe-te em guarda)
dormi em bancos à chuva (põe-te em guarda)
e a solidão, não erro
se ao chamá-la, o seu nome
me vai que nem uma luva
-
Andei com homens de faca (põe-te em guarda)
vivi com homens safados (põe-te em guarda)
morei com homens de briga (põe-te em guarda)
uns acabaram de maca
e outros ainda mais deitados
o coveiro que o diga
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O coveiro que o diga
quantas vezes se apoiou na enxada
e o coração que o conte
quantas vezes já bateu para nada
-
E um dia de tanto andar (põe-te em guarda)
eu vi-me exausta e exangue (põe-te em guarda)
entre um berço e um caixão (põe-te em guarda)
mas quem tratou de me amar
soube estancar o meu sangue
e soube erguer-me do chão
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Veio a fama e veio a glória (põe-te em guarda)
passearam-me de ombro em ombro (põe-te em guarda)
encheram-me de flores o quarto (põe-te em guarda)
mas é sempre a mesma história
depois do primeiro assombro
logo o corpo fica farto
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O coveiro que o diga
quantas vezes se apoiou na enxada
e o coração que o conte
quantas vezes já bateu para nada
-
Sérgio Godinho

Quem é? Quem é?



Quem é a celebridade, quem é ela,
que está em Londres e encontrou o Mise en Abyme?

05 junho 2008

The Shoop Shoop Song



Cher, Winona Ryder e Christina Ricci

- um teledisco perdido no tempo -

04 junho 2008

02 junho 2008

Da condição de ser mulher


Poder-se-ia afirmar, sem receio de um possível equívoco, que a Mulher tem sido mal habituada por gente como Quentin Tarantino. Insistindo, e bem, num processo de recontextualização de actores, Tarantino começou por servir-se da sua musa, Uma Thurman, para elevar a Mulher à condição de heroína, quase de Super-Heroína.
As vencedoras de Tarantino são capazes de tudo. Aniquilam a morte como em Pulp Fiction e Kill Bill, conseguem aquilo que nem o próprio Scarface conquistou ao derrotarem bandos armados e, como se nada fosse, pontapeiam a máquina mortífera presente em Death Proof.
Ora, serve esta introdução para demonstrar a eventual estranheza que as espectadoras, habituadas à vassalagem de Tarantino, sentiram ao verem Caramel. O filme libanês, ao contrário das películas referidas, reflecte justamente sobre as fragilidades que advêm do facto de se ser Mulher.
Construído em alicerces de amizade sólida, Caramel vigia as funcionárias de um cabeleireiro bolorento e as donas de uma casa de costura. Sem princípio nem fim, a câmara testemunha semanas daquelas vidas e depois, sem qualquer satisfação, abandona-as e deixa-as entregues aos seus destinos.
A personagem mais interessante, do ponto de vista da fraqueza feminina, mais especial do que a humilhada ou a temerosa, é a actriz de anúncios, mãe de dois filhos, obcecada pela juventude e pela menopausa que não aceita.
Contrariando a imagem da tal Super Mulher de que falávamos, esta esconde-se em operações, adesivos e penteados, fazendo-nos reflectir sobre algo que andava esquecido: os homens, de uma forma geral, mesmo que tenham sido míticos na juventude, conseguem envelhecer saudável e naturalmente. Repare-se, por exemplo, na naturalidade com que Sean Connery, Harrison Ford e até George Clooney surgem em público, orgulhosos das suas cãs; ou na nitidez com que as rugas destes aparecem na televisão e nas capas de revistas.
A personagem de Caramel talvez não venha a compreender a dimensão da sua fraqueza. Provavelmente, desconhece o caso de Liv Ullmann que não recorreu a operações por ter curiosidade de se ver em velha. Mas enfim. Mesmo que aquela personagem não venha a aceitar a sua condição, as espectadoras portuguesas já ganharam, e muito, com a possibilidade de se reverem em Caramel. Sem super poderes, apenas humanas e irresistíveis.

01 junho 2008