22 fevereiro 2006

Proposta de discussão - XIV

Publicou-se aquilo que martelava nas nossas cabeças há muito tempo. O Mise en Abyme agradece e responde: há incongruências que de facto não se compreendem.
Alguém comentará?

12 comentários:

Hugo disse...

A fronteira entre plágio e homenagem é muito ténue.

Pensemos no caso mais "simples": duas cenas iguais (de filmes diferentes), interpretadas pelos mesmos actores, mas dirigidas por realizadores diferentes. Será que conseguiremos copiar totalmente? Acaso o momento captado pela objectiva de uma câmara não será único? Creio que sim. Por mais que os actores se esforcem nunca repetirão exactamente a mesma cena nem a sua interpretação será rigorosamente igual...

Aliás, estamos perante algo que não é novo. Não é à toa que, a propósito do Fado ou de Jazz, se diz que cada interpretação é única. Mutatis mutandis, poderemos transpor a ideia para a representação.

Acresce que a grande diferença entre esta "homenagem" e o "plágio" reside na linguagem utilizada: a visual e a escrita. Quanto à primeira já disse o que pensava. Passemos à segunda: é óbvio que o plágio poderá surgir na redacção de um guião. E, é aí que poderá dar-se o caso de cópia servil (a que gosto de chamar "furto intelectual"). Uma vez feita a análise prévia do guião e tendo-se concluído que este é original, não é o facto de, no resultado final (o filme), a Cena 111 do Filme A e a Cena 111 do Filme B serem parecidas que permite afirmar um plágio...será uma homenagem, uma evocação de algo ou de outrem.

É óbvio que o plágio não se limita à linguagem escrita, mas nas restantes linguagens (como a musical ou a cinematográfica) será muito mais difícil prová-lo...penso eu de que. O que acham?

Tiago Cabral disse...

A diferença é simples.
Na homenagem a presença do autor original é evocada e está quase sempre presente. Já no plágio, quanto menos se souber sobre o original, melhor.

Ricardo disse...

Em relação ao comentário da Noite Americana, blog que não conhecia, e da co-autoria de Luis Filipe Borges, não me parece ser uma grande filosofia e também não me atormenta particularmente o dia a dia (este gajo não é aquele apresentador pseudo-esquerdista dos pastéis de nata?), porque simplesmente o cinema e a literatura, quando são realmente bons, podem citar sem plagiar.

Não que o plágio não seja comum, mesmo entre mestres. Em tempos idos, quando lia dezenas de críticas portuguesas, depois americanas, depois inglesas e francesas, de filmes que tinha adorado; vocês nem fazem ideia da quantidade de ideias roubadas por parte dos portugas e dos americanos aos ingleses e vice-versa. Penso que se deve perdoar a alguns (não digo nomes), pois são grandes críticos, e escrevem normalmente muito bem; não esquecendo que tudo poderá acontecido numa fase menos criativa da vida, além de que o dito plágio pode ter vindo por arrastamento, com tantas opiniões trocadas à mesa redonda e tanto material lido.

Em relação ao cinema deixo exemplo de descarados plágios e contra-plágios: Fritz Lang e Hitchcock, Rebecca/Secret Beyond the Door, Spione/Secret Agent

Hugo disse...

Ricardo:

A não ser que haja dois Luís Filipe Borges, este é o que apresentava a Revolta dos Pastéis de Nata. Ele também escrevia uma coisa qualquer na última página d' "A Capital" que dava pelo nove "Sit down tragedy"...

E sim, esta homenagem poderá ser recondutível à figura da citação na grande maioria dos casos

Daniel Pereira disse...

Acho que o Hugo disse tudo. Mas...o que é, afinal, o "Psycho", de Gus Van Sant?

(Não vi o filme, mea culpa, mas achei que dava uma boa discussão. Espero que não haja problema, Mafalda.)

Mafalda Azevedo disse...

Como sempre, é difícil chegar a um consenso. Principalmente quando as questões discutidas têm fronteiras tão ténues como é o caso do plágio e do “não-plágio” (tome este a designação que tomar: homenagem, citação, evocação…)
Quer queiram quer não, a afirmação do Noite Americana tem muito que se lhe diga. Há de facto uma tolerância maior no que toca a possíveis plágios quando se trata de cinema. Na literatura, há mesmo “perseguidores do plágio” que exercitam esta actividade de forma implacável. Estou a referir-me, por exemplo, a João Pedro George .
Assim, parece-me que a resposta do Tiago Cabral é muito pertinente. Bem pensado!

E quanto ao Psycho de Gus Van Sant (filme de que gosto particularmente)...
Neste caso, há uma clara homenagem mas o realizador consegue muito mais do que isso. Aquilo que temos é um remake, plano a plano, do clássico de Alfred Hitchcock com subtis alterações que denotam humor e inteligência. Por exemplo, Gus Van Sant ocupa exactamente o mesmo lugar no plano que Hitchcock ocupou no filme de 1960.
Deste modo, a obra de Van Sant deve ser entendida, numa primeira instância, como uma adaptação da primeira película e, numa segunda instância, como uma espécie de intervenção plástica no filme do mestre. Se quiserem, Van Sant arranjou a melhor forma de reinterpretar uma obra fundamental.

Miguel Domingues disse...

Olá,

entrarei na discussão de forma mais aprofundada nos próximos tempos, mas quero dizer que este senhor está um pouco confundido: não só o modernismo erradicou a noção de plágio, como um dos seus mais complexos representantes, Ezra Pound, tem no seu "Os Cantos" versos inteiros da "Divina Comédia" de Dante, sem por isso ter sido acusado de plágio. Jorge Luís Borges tem, aliás, um conto muito interessante sobre isto, no seu "Ficções": "Pierre Menard, autor de Quixote".

Até que ponto a hipotética fronteira entre plágio e citação/homenagem não está numa transformação aliada á auto-consciência?

Tejo, tu que és autor, pronuncia-te!

Até já,
Miguel Domingues

Tiago Cabral disse...

Apeteceu-me acrescentar mais uma pequena coisa.
O plágio ou a homenagem é algo bastante diferente no que se trata de artes gráficas ou da escrita. Por exemplo, é comum, pintores famosos recriarem quadros de outros pintores (o quadro de Sir Francis Bacon do Papa Inocêncio X baseado na obra de Velásquez é um exemplo) e os estudantes de têm de copiar obras famosas durante os seus estudos.
Já na escrita é diferente. Na minha ignorância, não conheço nenhum livro que seja claramente o reescrever de outro, quanto muito aborda o mesmo tema ou contém excertos o que é completamente diferente de reescrever toda uma obra.
E agora vem a grande questão, o porquê desta discrepância? Ora bem, como comum dos mortais, quando vejo um quadro ou um filme, não é só a historia que me interessa como as imagens (obtidas através de técnicas variadas) e os sentimentos que me provocam. Já no caso da escrita, não há dúvida que a história ocupa 90% do interesse (para quem disser, ah, mas os filmes também, pois eu digo-vos que não, que com boas sequências de imagens talvez até se faça um filme sem história), logo não é por mais ou menos uma metáfora que se escreve uma homenagem em vez de um plágio.

Miguel Domingues disse...

Pensei e não há, na minha cabeça, uma resposta óbvia para isto. Cá vão, então, algumas perguntas, se as quiserem discutir, que por detrás têm algumas das minhas opiniões semi-formadas sobre o assunto:

- até que ponto a consciência da citação/plágio é importante? A diferença entre ambas não estará, como no caso dos alunos, em saber copiar bem e adaptar o que se copiou a um dado contexto?

- até que ponto a utilização de lugares comuns da narrativa não é, em qualquer um dos média aqui discutidos, uma forma de plágio mais "universalista"?

- e se a citação for um modo de inserção de um cineasta num grupo ou num género? Será então que os géneros, com as suas recorrências, são formas de plágio aplicadas a um conjunto lato de objectos?

- a diferença entre plágio na escrita e no cinema não será medida pelo grau de igualdade nas palavras? Não será um livro que parte de uma mesma ideia mas a desenvolve de forma diferente o fim desse plágio?

- Será possível dizer que Howard Hawks e Douglas Sirk são eternos auto-plagiadores?

Servem estas perguntas para dizer que questão mais complexa não há. Eu, pessoalmente, adoro ver transformações estéticas de convencções ancestrais. E não as considero plágio. Numa época em que, quer numa arte quer noutra, tanto já foi feito e tanta influência existe, não será baralhar e voltar a dar o caminho a seguir? Deverá ser isso considerado plágio?

Cumprimentos.

Anónimo disse...

olá e particular viva aos que me conhecem, sem menor respeito para os restantes, obviamente. (grande mad, gostei do que li teu aqui, como sempre. vejo que também articulas bem o discurso textualmente para além de uma capacidade oratória bestial. muito, muito boa cena. já tenho o teu blog nos favoritos, sabia que tinhas um mas não me lembrava da morada do dito cujo. tá guardado, vou estar de olho em ti).

discussão curiosa, esta. cheguei aqui pelo tiago tejo, que me mostrou a frase em questão. primeira impressão, "que idiotice". segunda impressão, depois de saber que o autor em questão é esse sujeito dos pastéis, "uma idiotice ajustada a um tipo ainda mais idiota".

mas sim, cedo nisto, é um tema assaz curioso e que pode dar algumas boas conversas. não cedo, contudo, que esse tipo é mesmo um idiota. :=)

quem me conhece sabe que a minha área é a música. também adoro e consumo imenso cinema, mas música é que é. para mim, claro. literatura, confesso, sou bem menor conhecedor. daí não conseguir traçar grandes paralelos neste campo artístico, mas tentarei dizer o que penso de forma sucinta e sustentada. mais sustentada que sucinta, que isto quando começo a escrever o complicado é mesmo parar. mas vamos tentar.

adoro transformações. adoro recriações, adoro voltas e reviravoltas nos dogmas de sempre, no que à partida mais sagrado é, etc. adorei que os strokes fossem gamar cenas aos television que eles faziam há umas décadas atrás (ainda fazem, ok, mas com menor interesse), adoro que bandas como os protocol, white rose movement ou clear static saquem referências musicais e visuais aos duran duran, gosto disso, é bom. gosto, também, porque vejo algo mais que simplesmente isso, vejo uma identidade própria ou uma procura de algo semelhante.

plágio vs. homenagem? é complicado, é. mas é, ao mesmo tempo, muito linear: existem ambos os casos nos dois tipos de arte aqui referidos e, por arrasto, em todos os tipos de arte que conheço.

a questão, como muito bem, para mim, referiu o hugo alves, é que, cito-o, "o plágio não se limita à linguagem escrita, mas nas restantes linguagens (como a musical ou a cinematográfica) será muito mais difícil prová-lo...penso eu de que". bingo, bingo.

exemplos? ui, exemplos. "colisão", do ano passado. bom filme. e um exemplo para ambos os lados. explico: o filme-mosaico enquanto homenagem ao clássico do estilo, pelo menos em anos mais recentes ("magnolia"); depois, a canção melancólica igual a aimee mann que percorre as personagens do filme com a única diferença que aqui as mesmas não a cantam. isso deixa de ser uma homenagem para ser quase pilhagem abusiva. ia dar outro exemplo mas agora perdi-me...eventualmente lembrar-me-ei.

conclusão, para mim: há de tudo, em todas as artes, para todos os gostos. a diferença reside na forma como podemos ou não encarar e encontrar essas referências, se de forma mais suave e subtil se de forma mais aberta, declarada e facilitada ao senso comum.

e agora desculpem-me mas vou ver os últimos posts do blog, prévios a este. já cá volto, eventualmente. :=)

saudações,
pedro figueiredo

ps - nova mondo bizarre daqui a uma semana... :=)

ps2 - desculpem a exclusividade das letras minúsculas, é tradição minha em fóruns e afins, nada mais que isso.

Anónimo disse...

Lia eu os comentários muito concentrado quando o Miguel me teletransporta para a discussão: Tejo, tu que és autor, pronuncia-te!

Deixem-me, antes de mais, pensar alto e ver as coisas de uma forma muito geral. E bem, a frase em questão (Uma das grandes diferenças entre o cinema e a escrita está no acto de copiar: quando se copia em cinema, é uma homenagem; quando se copia na escrita, é plágio. LFB) até tem alguma verdade. Agora não é uma dedução filosófica nem uma verdade absoluta que venham adiantar alguma coisa à forma de ver qualquer das duas artes em questão.

Há uma coisa que é necessário deixar, antes de mais, bem clara. Sendo ambas artes, cinema é uma coisa e escrita é outra completamente diferente. Apesar de haver ligações ocasionais entre elas e com resultados fabulosos, não têm nada a ver uma com a outra. Não se tente meter ambas no mesmo saco.

Mas ainda assim, deixo-vos este exemplo matemático (atenção, sou uma pessoa de Letras e números está longe de ser algo que compreenda) para pensarem e relançar a questão:

Cinema...
Argumentista + Realizador = 2 Artistas
(C = 1 + 1)

Escrita...
Poeta + Editor = 1 Artista
(E = 1 + 0) Os editores que me desculpem...


Por agora penso ser tudo. Espero encontrar elementos novos aqui, para me fazerem pensar a minha opinião, da próxima vez que aqui voltar.

Até breve.
Tiago Tejo

Hugo disse...

Ao Pedro Figueiredo: não sou (e longe de mim querer ser sê-lo!) fonte de Direito. De qualquer modo, muito obrigado por tão simpática referência ao meu comment.

Mais uma nota (desta feita de júbilo pessoal): pelo menos já não sou o único a ter uma ideia negativa sobre o rapaz dos pastéis de nata (geralmente, o meu epíteto começa por "c"... e não. Não é vernáculo! Tenho testemunhas disso)

Agora a sério: para se afirmar o plágio há que estar perante uma obra (em sentido jurídico). No campo dos Direitos de Autor, para gozar de protecção, a obra tem de, forçosamente, ser original. E aqui começam os problemas.

"Originalidade" (como muitos dos conceitos jurídicos) é um conceito indeterminado, pelo que deverá ser concretizado caso a caso. Assim, apenas poderão ser dadas directrizes gerais de solução, cuja bondade terá de ser testada caso a caso. Uma dessas directrizes (que é de um autor alemão - Ulmer - com o qual simpatizo) afirma que cada autor imprime uma marca pessoal à obra, pelo que é essa a "marca" que permite distinguir o autor em causa. Ou seja, a obra é um prolongamento da personalidade do autor. (note-se que há pelos menos mais umas 30 interpretações do conceito "originalidade"...)

Palavras bonitas que, como é óbvio, em muitos dos casos da "citação cinéfila" serão insuficientes, pelo que haverá que interpretar (tentar!) o contexto da cena 111 do Filme A e da cena 111 do Filme B para ver se é original e, posteriormente, se é plágio ou não. No fundo, tudo se resumirá à prova e, nestes casos, é sempre muito difícil de fazer.

E pronto...desculpem lá ter ligado o (parco) jurídico que há em mim.

Cumprimentos cinéfilos,

PS - Miguel, o plágio é um crime (mesmo, um crime!), pelo que o agente terá sempre de ter consciência da ilicitude. O problema, juridicamente, resume-se a saber se neste tipo de crimes, caso o agente diga: "não sabia que era proibido copiar a obra" vê a conduta justificada (isto é, "desculpada" pela ordem jurídica). Pessoalmente, penso que não. Mas isso tem muito que se lhe diga e quem sou eu para ir contra teses de doutoramento sobre o assunto... saudações!